A opinião de ...

A graça de Graça

No turbilhão de acontecimentos das últimas duas semanas, é difícil escolher um tema para reflectir, pela importância de todos eles, tanto a nível nacional como a nível internacional. De qualquer modo, vou eleger o debate a propósito das taxas de IVA sobre as touradas. Foi um debate elevado por parte da Ministra Maria da Graça Fonseca que introduziu o debate sobre cultura, civilização e barbárie.
Já há muito tempo que não tínhamos um Ministro a falar no Parlamento Nacional em função de valores e muito menos a hierarquizar os impostos em função de valores. A hierarquização dos impostos em função de valores culturais (a Ministra chamou-lhes civilizacionais) é absolutamente nova na democracia portuguesa. Maria da Graça Fonseca entendeu que as touradas com sangue se aproximam da barbárie e que, portanto, deviam pagar um IVA mais alto (13%) que os restantes espectáculos (6%).
Manuel Alegre insurgiu-se em carta ao Primeiro-Ministro convocando a liberdade para o debate: bárbaras ou não, as touradas são uma tradição, só vai quem quer, e, portanto, proibi-las «cheira a totalitarismo». António Costa respondeu que a liberdade respeita os valores democráticos e que estes vão evoluindo de acordo com os tempos, neste caso, em função do que é julgado serem os direitos dos animais. Entendeu assim que o IVA das touradas deve ser de 13% porque elas já não estão em conformidade com os valores actuais de respeito pela dignidade dos animais. Entendeu bem, a meu ver.
Porém, para fugir ao contraditório de ser ele a autorizar as touradas com as quais não concorda, disse que seriam os autarcas a autorizá-las. Pilatos não fez semelhante ao entregar Jesus aos Judeus e aos Romanos.
Carlos César, líder do Grupo Parlamentar do PS e parte da bancada por este partido traíram Costa e Maria da Graça. Baixaram o IVA das touradas para 6%. Costa não gostou mas conteve-se nas palavras apelando ao voto contra dos deputados pelo PS.
Carlos César não está preocupado com as touradas mas com a votação da Oposição e dos «geringontes» menores na questão do tempo de serviço dos professores e dos outros funcionários públicos. A proposta foi apenas um «fait-divers».
Falta um ensaio sobre a distinção entre os elementos em debate. Faço-a com base na minha instrução, civilização e cultura. Civilização é o conjunto de meios, instrumentos e técnicas inventados e criados pelos homens para seu bem-estar, seu progresso e resolução de problemas. Cultura é o conjunto de crenças, valores e práticas sociais enraizados numa sociedade, evoluindo também pela incorporação dos saberes e práticas adquiridos pela civilização. Tanto civilização como cultura são dinâmicas e evolutivas. Por isso, vão mudando.
Há muitas culturas bárbaras à luz dos nossos valores de hoje. Por exemplo, não deixamos de considerar bárbaro que na cultura árabe se faça a ablação do clítoris às adolescentes. Como haveremos de considerar bárbaras as touradas com farpas e as lutas entre cães promovidas pelos homens. Pode-se tourear sem

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