A opinião de ...

AVÉ MARIA

Quando Inês Veloso entoou as primeiras notas do Think of me do Fantasma da Ópera os rostos petrificados de uma espécie de gárgulas internas que vigiam o interior da Domus Municipalis de Bragança, ficaram estáticos e espantados. Foi contudo a Ave Maria do compositor austríaco Franz Schubert que definitivamente agarrou a assistência para os Conselhos Raianos que o gélido vento nordestino teimava em fazer desmobilizar com fortes rajadas que se infiltraram nas abundantes janelas pétreas. A jovem brigantina acordou e embalou os espíritos dos homens bons transmontanos que ali se reuniram há vários séculos para decidirem as políticas que os povos que neles confiaram esperavam e ansiavam. Foi esse o espírito que presidiu à primeira sessão dos Conselhos Raianos de 2017 que a RIONOR leva a efeito com o apoio e patrocínio das estruturas autárquicas locais e ainda com o IPB e Ciência Viva.
Sob a moderação do alcaide de Morille, vieram dar-nos a sua visão sobre as extintas linhas de caminho de ferro e a premência de serem repensadas, várias personalidades encabeçadas pelo reconhecido Professor Cândido de Oliveira a que se seguiram as exposições de Daniel Conde, José Maria Fraile Cuéllar, Rui Vilaça e que tive o privilégio de encerrar.
De Espanha veio a solidariedade raiana e a concertação de pensamento e visão futura. Mas o vento, continuou a ser o mesmo e as graníticas aberturas na fachada do edifício comunitário deixaram-no chegar e enregelar os que resistiam ao desconforto. Com os acordes doces e cristalinos da Inês, ainda na memória, fomos, apropriadamente acolhidos na vizinha igreja de Santa Maria para se dar início à segunda parte dos Encontros Fronteiriços.
 
Com a orientação do arquiteto Ortega ouvimos a exposição de Rui Caseiro e Javier Callado que nos falaram da mobilidade e competitividade dos territórios fronteiriços com especial enfoque para a região brigantina e para a sua capital urgana. De ligações fronteiriças ocupou-se o presidente honorário do IPB, professor Dionísio Gonçalves. O Presidente da Câmara de Vila Flor, Fernando Barros proporcionou-nos uma viagem aos sinuosos e doridos caminhos que suportam e sustentam o desenvolvimento regional. Falou com propriedade e permenorizadamente sobre a via sacra dos autarcas e o hárduo trabalho que justificam os resultados que começam a surgir e que se irão consolidar no Vale do Tua depois de decidida e construída a barragem da EDP. Assegurado que está um programa sustentado e sustentável de promoção turística, são vários já (mais de quarenta, se a memória não me atraiçoa) os projetos candidatados e com aprovação iminente no Portugal 2020, mostrando que com trabalho, persistência e empenho é possível defender e promover a região e as gentes da nossa terra.
 
Fechou a sessão o edil de Bragança. Hernâni Dias veio, mais uma vez, demonstrar a necessidade, premência, urgência e utilidade da conclusão das vias de comunicação para o desenvolvimento natural e progressivo da terra transmontana em geral e do nordeste em particular.
 
Há contudo um aspeto que calou fundo em todos os presentes e que, para mim, será, sem dúvida a verdadeira marca de água desta oportuna iniciativa rionorense:
Imbuídos do espírito schubertiano com que o encontro começou, o seu fecho caracterizou-se por dois momentos de elevação com retorno ao característico e nobre sentimento das gentes do interior de solidariedade e de submissão dos pequenos interesses individuais ao maior valor do bem e interesse comum. Hernani Dias reclamando a continuação da A4 para terras castelhanas não se esqueceu de exigir igualmente e com o mesmo empenho, a conclusão do IC5.
Por seu lado, Fernando Barros assumiu que melhor que uma dispersão de vários centros de memória (um em cada concelho afetado pela barragem, como acordado), seria um único Centro que reunisse todos os outros. E que a melhor localização para o mesmo não era o território que politicamente dirige, mas o concelho vizinho de Carrazeda.
 
Não podia haver melhor forma de fechar o primeiro de uma série de encontros que os cidadãos raianos levam a efeito neste ano de 2017.

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