A opinião de ...

COBAIA? NEM PENSAR!

Sob o título «Falta “meia dúzia” para se pouparem milhões» o Jornal Expresso publicou um artigo, na sua edição de 15 de setembro 2018 abordando o tema dos Ensaios Clínicos e da oportunidade que nos passa à porta e de que o nosso país não está a aproveitar adequadamente. A Price Waterhouse, a pedido da Apifarma, faz, em 2013, um estudo sobre esta matéria cujo diagnóstico é ainda muito atual pois aborda, entre outros e com os mesmos pressupostos, o tópico tratado pelo Expresso.
É consensual, entre todos os responsáveis e estudiosos, que em Portugal não estão a ser minimamente aproveitadas as enormes oportunidades e possibilidades dos ensaios clínicos. São vários os problemas que dificultam esta atividade, desde legislação desadequada, burocracia exagerada mas, ainda, a reputação negativa dos ensaios clínicos, cuja relevância pretendo analisar.
Efetivamente, um dos aspetos que afeta negativamente a rentabilização e desenvolvimento desta atividade tem na sua génese a reduzida adesão de muitos doentes a estes programas.
Convém realçar que, entre várias vantagens, desde financeiros, de reputação, desenvolvimento científico e contribuição para o aumento da cadeia de valor há um que deveria ser mais valorizado e que passa precisamente pelos enormes benefícios para os doentes em tratamento. A gratuitidade dos atos clínicos, bem como do receituário é uma delas se bem que, quando integrados no SNS, não tenham o relevo que assumem no sistema privado. Mas há uma que é de enorme relevo e que deve ser altamente ponderada pelos pacientes sobretudo os que enfrentam doenças de alto risco e gravidade como é o cancro: o acesso antecipado a medicamentos inovadores, em condições de segurança perfeitamente iguais às que haverá no mercado comercial, anos depois.
O problema reside, a meu ver, neste último aspeto, pouco divulgado.
Vejamos:
Os Ensaios Clínicos têm quatro fases absolutamente distintas. A fase 1 é a que testa a segurança da molécula em análise e, por isso mesmo, é a que enfrenta maiores riscos, não só porque é o primeiro com recurso a seres humanos (obviamente que já foi exaustivamente ensaiada em modelos animais) e, como tal, as pessoas envolvidas na sua prossecução são saudáveis, como é óbvio! Só depois de ter passado esta etapa é que se pode passar para as fases seguintes, que, resumidamente,  a fase 2 tem como objetivo o apuramento da dose adequada,  a fase 3 a quantificação da melhoria da eficácia e a 4 só acontece depois da entrada no circuito comercial. Os Ensaios Clínicos, no nosso país, são, maioritariamente, da fase 3 e, em muito menor escala da fase 2. São, sem dúvida, os que maiores benefícios trazem consigo, pois destinam-se a doentes e oferecem, em condições excecionais, o acesso a medicamentos e terapias, seguras e com comprovada maior eficácia. Assim sendo, por que razão haverá tanta relutância na participação destes projetos? Outras poderão ser encontradas mas, a mais determinante, está relacionada com a recusa de ser cobaia. Erradamente, pois essa fase já passou!
A confusão está, sem dúvida, ligada à imagem que existe na opinião pública, sobre os participantes destes projetos. A par da inexistência de qualquer inciativa de divulgação adequada e acertiva, contribui, decisivamente para a formação de opinião, a forma como a comunicação social intervém no processo. Não havendo novas sobre os benefícios são noticiados, com parangonas e adequadas sequelas, alguns acidentes nesta área. Que existem, são reais e dramáticos. Mas que, é bom sublinhar, acontecem, muito raramente e sempre na fase 1. Coisa que não é devidamente escalpelizada pelos meios de comunicação. Mas que faz toda a diferença.
Urge pois, inaugurar uma nova era. Noticiar e esclarecer adequadamente os leitores, não pode resumir-se apenas à cacha dramática, tem de ir mais longe e mostrar todos os restantes aspetos, sobretudo os sucessos e vantagens!
 

Edição
3698

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