A opinião de ...

CRIME E CASTIGO

Ficou célebre o quadro de Ricardo Araújo Pereira e José Diogo Quintela fazendo de Marcelo Rebelo de Sousa e de uma jovem de Cascais “conversando” sobre o referendo ao aborto, mostrando, por redução ao absurdo que uma imposição legal que não tivesse consequências facilmente cairia no ridículo e facilmente seria desrespeitada. Se há uma norma mandatória e que se pretende que seja observada se nada acontecer a quem a não abservar, facilmente deixará de ter qualquer eficácia.
E, contudo, Governo, Maioria Parlamentar (vulgo Geringonça),  Oposição e Presidência da República coincidem na classificação de injusta qualquer sanção a Portugal por déficit excessivo. Segundo as regras estabelecidas e unanimemente aceites um déficit superior a 3% do PIB é excessivo. É verdade que se for 6 ou 7% é muito superior a 3,2% mas não impede que este último seja igualmente maior que o permitido. Portugal, queira-se ou não, diga-se o que se disser, excedeu em 2015 o máximo déficit permitido. Deve esse facto implicar automaticamente a aplicação de sanções? Provavelmente não.
 
A situação a que se chegou foi fruto de um esforço tremendo, sacrifícios vários e empenho sofrido de (quase) todo um país. Este resultado, mesmo que para lá do limite é a consequência de uma trajetória decrescente, continuada e consistente, cuja evolução natural levará, naturalmente, a valores que estarão dentro do limite imposto. A ultrapassagem da linha vermelha é marginal, quase impercetível. O facto, também aprovado por unanimidade de a aplicação de sansões não ser automática, mas resultar de uma deliberação das entidades europeias que têm poder para tal, quer dizer exatamente isso: não é automática e portanto a penalização, antes de ser concretizada deve ser analisada e passível de ser ponderada com outros factores e condicionantes. É ainda verdade que o castigo não potencia, como devia, a correção pois sendo uma penalização financeira tem um contributo oposto pois dificulta a recuperaçao do nível deficitário. Sendo politicamente correto ou não, haverá que não esquecer que outras infrações de outros países tiveram a devida condescendência do Conselho e da Comissão.
 
Assim sendo só há uma atitude a ter nas instâncias belgas: assumir com verdade e frontalidade as razões que nos assistem. Falsas justificações só poderão, a meu ver, prejudicar-nos por fragilizar o edifício argumentativo. Um dos argumentos que tem sido referido e proclamado não tem pés nem cabeça. Há quem alegue que a aplicação de penalizações a Portugal é tremendamente injusta por se estar a punir um Governo quando quem prevaricou foi outro que, inclusivé, se opõe a este. Ora este pretenso justificativo sendo falso é perigoso. Falso porque as deliberações que forem tomadas visam Estados e não Governos, muito menos os seus atores pessoais e partidários. Perigoso porque a estabelecer-se essa filosofia levaria a situações perfeitamente inaceitáveis. Se assim fosse seriam legitimados todos os desmandos que qualquer executivo, nacional ou regional, fizesse pois bastaria mudar a cor política do executivo seguinte para que os interesses entretanto prejudicados ficassem “em águas de bacalhau”.
Tal seria obviamente inaceitável!

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