A opinião de ...

Dizer que sim

 
Poucos dias depois do 25 de Abril de 1974 apareceu o “Jornal Novo” e, com ele, veio impresso um poema de Vergílio Ferreira, “Dizer Não”. Por esses tempos eu já tinha na parede do meu quarto há mais de um ano um poster com o IF de Kipling, na versão portuguesa de António Botto. Estavam perfeitamente um para o outro e se este último incitava a que um dia “o mundo será teu e tu serás um homem”, aquele vinha colocar a fasquia num lugar certo: “E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.”
Já não sei se por ser o 1 de Maio ou por outro motivo qualquer – nesse tempo toda a gente convivia no Jardim em Macedo como se fosse um fórum romano –, numa tarde de mais gente passeando para cima e para baixo, imprimi umas folhinhas com carimbos trodat com esta frase de Vergílio Ferreira para que as pessoas a colocassem na lapela com um alfinete. Nem toda a gente gostou, uns acharam que era uma frase fascista (!), mas depois das explicações dadas ainda serviu de tema para o fim de tarde e para a conversa do nosso grupo no snack Novo Dia que então frequentávamos.
Andávamos no quinto ano (seria agora o nono) e discutíamos imenso, alimentávamos o tempo com de tudo um pouco. E nas discussões ainda sobre este assunto alguém introduziu o Cântico Negro do Régio com o seu “Não sei por onde vou, não sei para onde vou, Sei que não vou por aí!”.
Alguns dos presentes nessa discussão, nessas discussões, já morreram, outros se afastaram e alguns mais raros vamos mantendo o contacto. Entre estes que vamos mantendo o contacto há uma disposição em comum: todos dizemos que sim. Que temos tempo para nos ouvirmos, sim. Que aceitamos o que vida nos traz, sim. Que nos dispomos a fazer o que se nos pede, sim.
Talvez porque além daqueles três poemas não deixámos de ter presente que aquilo de que a vida é feita não é nem do inatingível nem do que se sabe não querer, por muito belo que isso seja. A vida faz-se das coisas a que dizemos que sim, umas difíceis, umas fáceis, todas concretas. A vida faz-se da disponibilidade para dizer sim.
Ainda há dias o Papa Francisco exortou os católicos a dizer sim à política. Dizer sim implica coragem, dizer sim é para quem não tem medo e aceita com desassombro o que vier. Porque é do sim ao que nos vem na vida que fica a obra e o testemunho de que cá andámos.
Vivemos um tempo sombrio e difícil que exige toda a força dos que estamos dispostos a dizer que sim. Saibamos dizer que sim.

Edição
3432

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