A opinião de ...

A nova ditadura da (in)tolerância: a concordância

1. A mais recente astúcia da intolerância é a manipulação do argumento da tolerância. Durante milénios, a intolerância era franca e leal, na sua brutalidade; porque se apresentava em nome do bem e contra o mal. Podia manipular a definição do bem, é certo, definindo-o dogmaticamente e impondo-o contra o mal; mas ainda prestava homenagem ao bem.
Hoje já não é assim. Hoje, não fica bem dizer que uma coisa é mal. Hoje, tudo o que alguém prefere, ou tudo o que alguém escolhe, deve-se considerar que está bem. Em nome de liberdade de escolha, mesmo que isso custe aos outros, por exemplo em matéria de impostos.
 
2. Mas aqui é que há uma grande mistificação, uma nova grande mentira dos nossos dias, ao serviço da velha grande mentira da vontade de dominação sobre os homens. É que — sendo que uma coisa é tolerar; e outra coisa é concordar — hoje, a nova vontade de dominação já não se contenta com a tolerância: exige a concordância.
Por exemplo. Nas nossas sociedades actuais — para além da herança de «uma certa tolerância prática» para com os homossexuais que não era isenta de actos de censura e de discriminação, deve-se dizer —, a liberdade de condutas sexuais diferentes na vida privada é já socialmente pacífica. Mas ao desígnio de dominação sobre o homem — que está sempre renascendo em novas formas — não basta essa liberdade social pluralista, não basta esse «espírito liberal» que é hoje o nosso ambiente comum. Pretende mais: pretende a submissão moral e cordial: moral no plano da ética, dos valores; e cordial, no plano de íntima adesão.  
 
3. E daí que a questão seja colocada: [1] em termos de recusa da objecção de consciência; [2] e em nome de punição de crimes de ódio. Nada menos. Por todo o lado se pretende que o Estado regule e limite os espaços legais de expressão da liberdade da objecção de consciência. Por toda a parte se pretende criminalizar discordâncias de consciência e de expressão em nome de [novos] crimes de ódio. Com estas duas proibições, ficam anulados os dois últimos redutos da liberdade interior da alma humana perante o arbítrio dos poderes de opressão política: a liberdade da consciência, de aderir e servir à verdade; e a liberdade do coração, de «con+cordar» ou de «não con+cordar». Não se contentam com a tolerância exterior. Querem a concordância interior.
Por isso e para isso, os novos ditadores «da liberdade, do bem e da igualdade» exigem que as nossas crianças (repita-se: «nossas») sejam educadas nos valores e escolhas deles, numa escola pública comum dominada pela sua ideologia. Em nome da tolerância, impõem intolerantemente uma unicidade de pensamento ético. Recorde-se, a este propósito, o malogrado relatório Estrela, no Parlamento Europeu, que depois de recusado e de renascido, não deixou de marcar uns pontinhos nesta direcção.
 
4. Foi igualmente por isso e para isso que os novos ditadores «da liberdade, do bem e da igualdade» apresentaram recentemente, na ONU, uma pretensão do lobby abortista mundial: a de a ONU declarar que os que manifestassem opinião contrária ao aborto ficassem sujeitos à aplicação das penas aplicáveis aos crimes de tortura, previstas nas convenções internacionais contra a tortura. Nada mais nada menos. Porquê? Porque a manifestação de discordâncias, contra o aborto, mesmo com tolerância prática, era equivalente a torturar as mulheres. É incrível, mas é verdade.
 
5. Valha-nos uma recente resolução no Conselho da Europa, que não se consegue ler sem ver nela uma crítica bem clara à Europa e à União Europeia, quanto ao entendimento e respeito de direitos fundamentais — especialmente de liberdade religiosa e de expressão de pensamento dos crentes em nome da sua fé. A resolução 2036. Em que se reconhecem e criticam as ofensas frequentes à liberdade religiosa, como por despedimentos por simples opinião ou objecção de consciência, designadamente de enfermeiros católicos que discordam do aborto voluntário.
 
6. Parece que já temos entre nós uma nova guerra mundial. Guerra aberta por uma nova forma de fascismo: o da concordância cúmplice. 

Edição
3521

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