A opinião de ...

“Não se negoceia sob coação"

“A felicidade no trabalho é um ativo económico relevante? Uma pessoa infeliz produz em média menos 37%”. É a pergunta e a conclusão que titulam um artigo do Ministério Sombra, uma iniciativa do jornal Expresso , em cuja edição os especialistas abordam o valor económico da satisfação e da realização profissional, associados à qualidade da gestão dos líderes.
Vem esta introdução a propósito dos recentes protestos públicos dos polícias e à surpresa e admiração com que fui tomando conhecimento dos mesmos. Claro que foi sempre com enorme simpatia, compreensão e solidariedade que também me declarei INOP. A surpresa está ligada à imprevisibilidade do seu início, à forma individual como ocorreram, a dimensão ao atingir “Portugal Inteiro” e a sua extensão no tempo, ao longo de 6 semanas. A admiração deve-se à sua generalização, à transversalidade dos policias, à facilidade de passar informação, ao apoio e compreensão generalizados das pessoas e à multiplicidade das formas de protesto. O facto de os sindicatos e associações terem criado uma plataforma representativa transmitindo uma ideia de unidade, nunca antes vista, também contribuiu. A reação da imprensa escrita e falada e seus comentadores, dos principais responsáveis políticos e outros analistas, essa não foi surpresa.Enquanto correu tudo bem, os protestos eram apenas noticiados como fait-divers sem significado. Os polícias estavam só a usufruir do seu direito ao descontentamento. No fim-de-semana em que apenas um jogo importante de futebol não se realizou porque cerca de uma dúzia de polícias exaustos, física e psicologicamente, recorreram ao seu direito de estar doentes, alto lá, que os polícias já foram longe de mais e é preciso amachucá-los. Organizem-se processos, disciplinares e criminais, que isto de democracia não é para todos, gritaram em uníssono, jornalistas, comentadores, o sr. ministro e o seu grande chefe, ainda primeiro-ministro. Estes os primeiros e únicos responsáveis verdadeiros pela injustiça próxima que originou os protestos. Eles acordaram. Que isto não podia ser. Por causa duns policiazecos deixar o povo sem futebol? Era como se em Fátima deixasse de se rezar a missas. Mas haveria mais surpresas.
O auge mesmo foi o “cerco ao capitólio”. Até pensei que a cena se passava nos States. Mas não. Era mesmo em Lisboa. Os polícias eram os mesmos que tinham estado em vigílias sucessivas na AR e muitos outros locais, ao frio e à chuva, durante 6 longas semanas, e em 2 grandes manifestações (com mais de 15.000 polícias. Ena tantos!...), sem vacilar. Tal como fazem todos os dias da semana, em todos os turnos, ao serviço dos cidadãos. Mas ali, no capitólio, estavam os mais sérios candidatos a primeiro-ministro, que sairá das próximas eleições. Aqui sim. Uniram-se mais vozes. O crime é enorme. Participe-se. Investigue-se. Chamem-se os especialistas da área. O cerco foi ilegal. Estão a ser instrumentalizados por extremistas inorgânicos. A manifestação não estava autorizada. Foi a cereja no topo do bolo: “Não se negoceia sob coação” . É bem possível que não.

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3976

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