A opinião de ...

Perigoso retrocesso

Já quase tudo foi dito sobre a “visita” feita em direto, nos canais televisivos, à casa de Rui Rio e ao célebre discurso do varandim. Porém se há assuntos que, uma vez radiografados, nada mais há a dizer, outros porém requerem que se fale e insista em determinados aspetos para que nada fique calado, não restem dúvidas do repúdio que determinadas ações provocam, mesmo que reiteradas, repetidas, insistentes e impunes.
O desconforto é generalizado e uniu a classe política, não numa cruzada contra o Ministério Público, mas numa reação a uma sequência preocupante de atitudes que se têm vindo a acentuar e apesar de se pretenderem excecionais e fortuitas começam a tornar-se regra. De tal forma que os procuradores, normalmente reservados e confortavelmente recatados nas suas bolhas protetoras que a lei lhes confere, sentiram necessidade de virem a público defender o que, pelo menos na aparência, aparecia como indefensável. E, na minha pequena e limitada opinião, foi pior a emenda que o soneto. Vieram os senhores magistrados do Ministério Público, reclamar que são independentes, que não têm que dar contas do seu trabalho ao público (fazê-lo seria iniciar um caminho perigosíssimo como o que se verifica já na Hungria, na Polónia e, brevemente, em Israel com uma inadmissível interferência do poder político na atuação do poder judicial) e que o crime de violação do segredo de justiça é complexo, envolve muita gente e, portanto, de difícil investigação!
Espantoso! Como é que altos e qualificados agentes de Direito podem tentar confundir coisas tão básicas alterando tão grosseiramente os preceitos constitucionais? A independência necessária ao exercício adequado da justiça está consagrada ao Ministério Público, mas não aos procuradores. Era o que mais faltava! Estes são subordinados e, obviamente, não tendo de obedecer aos detentores do poder político têm de responder perante o povo (através dos seus legítimos representantes) pela forma como exercem a justiça que praticam, em nome do próprio povo.
Como querem que lhes sejam confiados, para investigação séria, adequada e justa, casos complexos, intrincados e muito elaborados quando os próprios se declaram incompetentes para “deslindar” tantos, tão frequentes e tão “banais” crimes de violação do segredo de justiça? Cuja existência, segundo os mesmos, existe para proteger... a investigação! Imaginem se não fosse...
Mas se essa violação prejudica a investigação, porquê o alarde por causa da sua existência? Porque, quando seletiva e criteriosa, como curiosamente, está a acontecer, resultam em prejuízo dos suspeitos, sobretudo quando inocentes, como infelizmente tem acontecido em vários casos “mediáticos”.
O que mais repulsa causa, em tudo isto, é o regresso a práticas medievais de exercício judicial na praça pública.
Para a escrita do meu livro A Formosa Pelicana, analisei vários relatos dos Autos de Fé e, para lá da violência inquisitorial, o que mais me impressionou foi o bárbaro espetáculo público dos condenados. Obviamente que já não se convocam o Povo, o Clero e a Nobreza para o palanque... nem é preciso. O “espetáculo” é servido a toda a nação através dos canais televisivos devida e atempadamente alertados para as buscas iminentes.
Já muitos o fizeram e eu não posso deixar de repetir: se era sabido qual o montante entregue ao PSD (e aos outros partidos) não era suficiente intimar o responsável (Rui Rio) para fornecer, documentadamente a distribuição da verba?

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3945

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