A opinião de ...

Olhar o Futuro

Tenho um amigo que sempre se considerou bem-falante; e, por isso, nunca se eximiu a manifestar orgulho por si próprio. Quando os ditos desse meu amigo começaram a andar de boca em boca, todos achámos por bem trata-lo como um bom pensador – contudo, um bom pensador que sabíamos endividado.
Um dia, recentemente reformado, e no decorrer de uma das nossas habituais conversas, saiu-se-me com esta: “Não consigo olhar o futuro, enquanto as cordas me agarrarem às memórias do passado”. E eu não deixei de concordar dom ele, pois a sua situação pode acontecer a qualquer um de nós: enquanto não cortarmos as cordas que nos agarram ao nosso passado – aspetos do passado que não queremos recordar – não vamos conquistar o futuro com a ambição e a segurança de que poderemos dispor.
É verdade que, em toda a sua vida, este meu amigo foi um grande descuidado em relação a poupanças, embora tenha sonhado altos sonhos, elaborado e posto em prática bons projetos, mas que, pelo seu conhecido desprendimento material, nunca alcançou deles os melhores resultados financeiros. E era disso que constantemente se lamentava.
Embora o tenha conhecido sempre como uma pessoa de bem, não trazia à lembrança as coisas boas que, com a sua força de vontade, conseguiu realizar: bom pai de família, trabalhador exemplar, criador de estratégias para melhorar o trabalho, chefe compreensivo, muito bem integrado na sociedade, com a qual não deixava de colaborar, solidário para com todos…
Perante este perfil, tinha muitos amigos a admiradores, alguns dos quais procuravam imitar o seu procedimento, especialmente na orientação que imprimia a tudo quanto fosse de vanguarda.
No constante cismar que, dia a dia, o fazia mais abatido, nada deste mundo o conseguia trazer à realidade. E com esta atitude, veio a tornar-se uma grande preocupação para a família que lhe fazia ver as coisas boas que lhes aconteceram na vida, e que esquecesse o que não esteve tão bem, porque já nada fazia alterar essa parte menos boa. E que, mesmo não tendo o proveito que se pretendeu desses momentos menos conseguidos, eles só aconteceram pelas decisões que, na altura, parecia serem as mais acertadas.
Todos andávamos preocupados com esta maneira de pensar sobre o passado! E para o desviarmos deste pensar que o deixava deprimido, procurávamos conversar com ele, na perspetiva de fazê-lo encarar o futuro com entusiasmo.
Porque não conseguimos fazer com que alterasse as suas preocupações, veio um dia em caiu doente. Já no médico, entendeu este que, a par de receitar-lhe algum remédio, deveria também entrar um pouco no campo psicológico. A conversa, a princípio desinteressante para esse meu amigo, pouco a pouco, foi criando nele algum interesse.
De consulta para consulta, além da ajuda da família e de amigos, cada vez mais se convenceu de que, afinal, estava a comportar-se de forma insensata, e a fazer com que a família, sobretudo a esposa, estivesse também a caminhar para o campo depressivo.
Acolhido pelo silêncio de que entendeu rodear-se, meditou, acalmou e, revigorado, decidiu atirar para trás das costas aquele passado que o afligia para, definitivamente, mudar de vida!
Ainda com vários anos à sua frente, sente-se livre e feliz – feliz por si, feliz pela sua família e feliz pelos seus amigos!

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