A opinião de ...

Um recluso na minha casa...

Longe vão os tempos em que a pena aplicada a um criminoso era um castigo corporal e uma séria advertência para a sociedade. O criminoso sofria duros castigos físícos sendo exposto na praça pública antes de ser executado; segundo a tradição cristã, Jesus Cristo, antes de ser crucificado, foi açoitado e obrigado a levar a própria cruz ao longo de ruas apinhadas de gente; condenar uma pessoa à pena máxima (morte) era muito habitual para reprimir socialmente a maior parte dos crimes cometidos, roubo, homicídio, aborto e até pela prática de bruxarias, blasfémia (como no tempo da Inquisição, 1496 - 1821) ou, dizer mal do rei e traição ao rei, além da confisco dos bens, (Ordenações Manuelinas, livro V,título 4 – 1512 a 1605),  etc
Felizmente, esses tempos pertencem à história; as penas, nos sistemas punitivos modernos, tendem a ser cada vez mais leves e devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador; essecialmente, além do castigo retributivo pelo mal praticado à sociedade e de repressão do crime, deve-se preparar o recluso para voltar à sociedade de onde foi afastado. As penas mais leves passaram a ser cumpridas sem o afastamento do condenado da sociedade, ou seja, sem este ser enclausurado numa prisão. As penas mais severas (para os crimes mais graves) continuam a ser a pena prisão; mas, na parte final do tempo de prisão, o recluso passou a poder sair, aos poucos, para passar a ter contactos com a sociedade onde vai viver de novo, ou seja, para ressocializar o recluso e voltar a ser um cidadão de pleno direito depois de pagar o mal que fez à sociedade.
Quanto às penas mais leves, as modernas legislações penais (como a portuguesa, código penal, artigo 71º), o juiz, depois de analisar a personalidade do delinquente, as circunstâncias do crime e o seu grau de culpa, pode determinar a substituição da pena de prisão efectiva por “prisão por dias livres” ou por multa, ou mesmo sespender a pena por determinado tempo. O juiz pode até suspender a leitura da sentença até que o delinquente cumpra determinados pressupostos, como sejam, a reparação dos danos causados e apreciação de futuro comportamento do delinquente, (como resulta do artigo 75º do CP). Além do mais, será pedagógico furtar à convivência e contaminação do meio presional, mesmo por poucos dias, estes delinquentes (pequenos).
Quanto aos crimes mais graves a que correspondem penas de alguns anos de prisão, surgem muitos problemas quando o recluso está a atingir o fim da pena e vai voltar à sua vida fora da prisão. O recluso tem de ser preparado para esse regresso à sociedade; para tal, começa a sair de vez em quando da prisão, primeiro, um fim de semana, depois uma semana, e finalmente, por vários dias ou meses no caso de ter família e uma ocupação, tudo em conformidade com as condições sociais de cada recluso e sua personalidade e com a preocupação de quem decide de que “cada caso é um caso”.
Mas, o que fazer com esse recluso em finais de cumprimento de pena que a sociedade rejeita que não tem família, ou a família recusa receber, desprezado pelos amigos, proscrito pelos antigos vizinhos, que não tem uma casa onde se abrigar, não tem trabalho, nem quaisquer rendimentos para sobreviver? A sociedade tem de resolver esta questão para que o recluso não se sinta perdido e volte ao mundo do crime. A sociedade tem a obrigação de encontrar meios para ajudar a ressocialização deste cidadão. E, as Mesiricórdias também podem e devem ter essa preocupação social.
Uma obra de caridade a praticar por qualquer Misericórdia enquanto irmandade de cariz cristã ficou gravada, há séculos, no seu compromisso: - visitar os presos. Se uma Misericórdia não pode visitar um preso, então o preso que todos rejeitam e não tem para onde ir, que se abrigue na nossa casa, coma à nossa messa, repouse na nossa cama, seja observado pelo nosso médico, apoiado pelo nosso psicólogo, acompanhado pelo assistente social, receba, se o desejar, apoio religioso do nosso capelão, enfim, que seja tratado no seu corpo e na sua alma. Assim se compreende que a Santa Casa da Misericórdia de Bragança pratique esta a obra de caridade – visitar os presos – fazendo uma interpretação extensiva do preceito... que também pode e deve ter outra leitura - “apoiar” os presos que em certas circunstâncios estão desamparados no mundo. Outros tempos, outras vontades e interpretações, mas sempre a prática mesma obra de caridade.
Amigo leitor, qualquer pessoa compreende as suas preocupações e receios, mas temos de acreditar e ajudar, dando o nosso contributo, na ressocialização dos homens que já repararam o mal que fizeram à sociedade. Agora, talvez entenda as razões de a Santa Casa da Misericórdia de Bragança se propor colaborar com o Ministério da Justiça na ressocialização dos reclusos em final da pena de prisão... uma forma de cumprir a sétima obra de caridade cristã: visitar os presos ou ... apoiar os presos ... como queira!

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3615

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