A opinião de ...

Convergências

Há duas semanas o estridente Victor Bandarra (conheço-o via Rogério Rodrigues, transmontano, poeta, exímio repórter, amigo meu desde os idos de setenta) apresentou ao som de charamelas e oboés reportagem centrada em Mogadouro, cujo miolo era a convergência de religiões. Afinei o ouvido, limpei os óculos, ouvi e vi. Descontada a ganga palavrosa, chamar comunidades a meia dúzia de pessoas vindas de longe é gordo exagero, retive a envolvência simpática de todos, a lhaneza do católico e o escrúpulo do hindu na observância do interdito. Ali estavam diversos rostos de uma sociedade isolada, carente de população, personificando marcada intenção evangélica. Longe do clima existente quando um lugar próximo recebeu o nome de Alfândega da Fé. Alfândega. Mas o clima de hoje põe problemas novos. Pergunto: esta convergência seria possível num povoado da Arábia Saudita, de Caxemira, na periferia de Cabul ou de Madrasta? Respondo: claro que não. Redondamente. Num congresso para efeitos de propaganda? Claro que sim. Apesar de tremendas decisões de autoritarismo, de zelo a transbordar o fervor da Cruzada, a Igreja Católica conseguiu acompanhar o ritmo avassalador do progresso científico e técnico levando-a a erguer o estandarte da conciliação, da convergência, repito: apesar das barreiras, dos fossos, dos anacronismos, das cristalizações. Estou à vontade para o afirmar, a prova provada é escrever no Mensageiro. Acrescento: de forma livre, multidisciplinar, tendo apenas em conta, já o escrevi – a matricialidade – do jornal. É justo pensar que foi o diálogo ecuménico iniciado há dezenas de anos que, deslaçou nós de etnocentrismo católico, favorecendo, grão a grão, discretamente, até subterraneamente, o diálogo com as outras duas religiões monoteístas, alargando-se posteriormente aos credos do Oriente. O encontro de Assis ocorrido a 27 de Outubro de 1986 é o coroamento a doutrina contida na declaração do Concílio Vaticano II, relativa às relações da Igreja com as religiões não cristãs. Teólogos, cientistas sociais, diplomatas experimentados e sabedores da chancelaria papal, filósofos, escritores, jornalistas influentes foram actores principais de uma peça séria, profunda, rutilante a permitir aumento de felicidade ao Homem. Apetecia-me referir um nome, não o faço pois o exercício da vaidade em certas ocasiões é acção muito feia, feiíssima. Lembro-o intimamente o amigo que no nas sete partidas do Mundo e no Vaticano trabalhou arduamente na defesa do relacionamento mútuo. Em Mogadouro houve festança (nada contra) escorada no pluralismo religioso, até permitiu registo culinário de quem saiu de França há uns quarenta anos. Mas para lá do efémero, das pinceladas eivadas de generalidades, sobrou-me o pensar nas atrocidades cometidas contras os cristãos nas terras onde as restantes religiões são dominantes, com excepção da judaica, que vincadamente não estava representada. O pluralismo deve, tem de ser praticado a Oriente e a Ocidente, a Norte e a Sul, mas nós sabemos que não é assim. Os minutos gastos na leitura deste escrito, noutros lados; à luz do dia, na soturnidade subterrânea, cristãos, laicos, ateus, agnósticos estão a ser torturados, violentados, abatidos. Fora dos focos das câmaras de televisão convém reflectir sobre tão cruel realidade. Todos ganhamos se o fizermos.

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