Trovoada em copo de água…
Um leitor, em carta que me enviou, pergunta se os vereadores da oposição devem ou não ter um gabinete de atendimento dos munícipes e se a recusa por parte do presidente da câmara se pode considerar um abuso de poder ou abuso de direito.
A resposta não é fácil, mas vou tentar satisfazer a curiosidade deste leitor. Qualquer presidente de câmara tem de considerar todos os membros do executivo, por terem sido eleitos, como seus pares e dialogar com todos na obtenção de estudos, informações e notícias para que seja conseguida a mais justa e equilibrada deliberação sobre os assuntos que dizem respeito ao concelho e seus munícipes. Claro que só me refiro às matérias que, por lei, têm de ser deliberadas por voto do respectivo executivo. A representação do município é uma obrigação exclusiva do seu presidente. Porém, não será bem assim relativamente ao atendimento dos munícipes. E, desta forma coloca-se a questão de vereadores da oposição terem (ou não) um espaço próprio nos Paços do Concelho para poderem ouvir as queixas, sugestões e notícias de quaisquer eleitores. A lei 75/13 de 12/9 é omissa nesta parte e daí poder haver várias interpretações. Na minha opinião, também nem precisa de conter qualquer norma sobre esta matéria; os princípios gerais de direito não estão, como nunca estiveram, escritos nas leis, antes, são o seu fundamento. O que está em causa e está a ser violado é o princípio da igualdade do voto de todos os cidadãos eleitos que constituem um órgão colegial como é um executivo camarário. Ora, como todos estarão de acordo, é do interesse do município que qualquer deliberação seja tomada pelos eleitos depois de estes obterem todas as notícias, esclarecimentos, sugestões e informações dos seus munícipes sobre os assuntos que vão ser objecto de discussão e votação.
Como pergunta aquele leitor, a referida recusa do presidente de câmara não se pode considerar um abuso de direito porquanto, o abuso de direito só existe quando um cidadão é detentor de um direito e, tendo esse direito o usa manifestamente sem qualquer proveito para si, mas manifestamente só com intenção de prejudicar alguém, como resulta do artigo 334º do CC. Também não é um abuso do poder, pois para existir abuso de poder, também é necessário um cidadão ser detentor de um poder (poder conferido por uma lei) e usa esse poder para lesar ou beneficiar alguém sem razão ou fundamento. Ora, o presidente de câmara tem o dever funcional de representação do município; porém, não tem o poder exclusivo de atendimento dos munícipes no sentido (jurídico) restrito de deferir ou indeferir, despachar ou ignorar a pretensão de um munícipe, por tal poder/dever de atendimento (por força da lei em certas matérias) estar subordinado a uma deliberação colegial.
Mas, se não existe nem abuso de direito nem abuso de poder, como se pode censurar a recusa de um gabinete por decisão do presidente de câmara? Esta atitude não está de acordo com um princípio geral de direito: a igualdade qualitativa de voto de qualquer membro de um órgão colegial, (ressalvo o voto de qualidade do presidente desse órgão no caso de empate). A igualdade de voto, - um homem um voto - para ser efectiva e não estar subvertida, impõe que todos disponham das mesmas armas, meios e possibilidades de recolha das informações necessárias para a formação da vontade que se vai manifestar no acto da votação. Essa vontade não pode ser viciada por erro, mas formada com a recolha de todas as informações técnicas e sociais que cada eleito possa e tem a obrigação de obter no desempenho das suas funções. Poder-se-ia analisar outros princípios para fundamentar que um presidente de câmara não detém exclusividade do poder de atendimento, como o da boa-fé, confiança, desvio do poder, actos discricionários, etc., mas aqui não tenho espaço.
Também, da parte de qualquer oposição não me parece muito elegante a estrondosa trovoada de ameaças de abandono da sala de reuniões, montar uma banca para fazer o atendimento dos munícipes na rua em frente dos Paços do Concelho, e outras manifestações públicas destituídas de urbanidade no diálogo para atingir aquele objectivo. Para bem de todos os munícipes, talvez alguma dose de bom senso dos eleitos (maioria e minoria) ajudasse um pouco a resolver esta questão. Como se ensina nas faculdades de direito, para ser um bom juiz na elaboração de uma sentença ou um bom advogado na organização de uma defesa, o bom senso deve superar o conhecimento das leis, como o exercício de qualquer actividade, acrescento eu…