A opinião de ...

Reforma VI

Chama-se “Morire di Speranza”, uma celebração ecuménica promovida pela Comunidade de Santo Egídio em parceria com outras instituições por ocasião do Dia Mundial do Refugiado, este ano sob o tema “Hoje, mais do que nunca, temos de estar ao lado dos refugiados”. Nessa celebração, cristãos de diversas sensibilidades unem-se para estarem perto dos refugiados que conseguiram atravessar o deserto e o mar Mediterrâneo, e para não estarem longe de quantos perderam a vida na esperança de encontrarem um lugar onde ela fosse possível. Encontraram-no decerto. Em Roma, este encontro orante de diferentes confissões cristãs, unidas pela mesma opção preferencial diante dum novo rosto de pobreza, decorreu na Basílica de Santa Maria em Trastevere no dia 22 de junho. Uma celebração simples, nobre e bela. Ecuménica, desdobrou-se desde o acolhimento da Cruz à escuta da Palavra de Deus, às preces pelos que faleceram (evocando vidas e nomes concretos) à saudação da Paz, expressão de uma realidade ainda tão desafiante.
Como celebração ecuménica ensina-nos muito no que respeita ao caminho feito desde a Reforma. Efetivamente, são muitos mais os elos que nos unem do que as barreiras que nos separam. Os cristãos conseguem congregar esforços não só para alertar mas também para encontrar soluções face aos problemas humanitários mais urgentes; conseguem na Europa (e não só) lutar unidos pela Paz, um feito tão distante no tempo e no espírito daquela Europa que vai da Reforma à Paz de Westfália (1648), na qual os cristãos se viam reciprocamente como inimigos e lutavam uns contra os outros, confundindo divergências religiosas com interesses políticos; conseguem, para além disso, encontrar-se para rezarem juntos. O desafio da plena unidade permanece porém. Pode dizer-se que esse desfio se esconde no rezar juntos. Ou seja, os cristãos conseguem encontrar-se para uma celebração ecuménica mas ainda não conseguem encontrar-se para a celebração da mesma Eucaristia. Significa que a Reforma não trouxe somente dissonâncias face a aspetos disciplinares, face a alguns pontos de vista sobre as indulgências, o papado ou a vida religiosa, face à relação do poder espiritual com o poder temporal. A Reforma trouxe, infelizmente, a reconstrução do credo, o que implicou necessariamente consequências a nível litúrgico, segundo a antiga expressão lex orandi lex credendi. Depois de algumas posições de Lutero serem condenadas em 1519, ele escreve três importantes obras em 1520, a segunda intitula-se Sobre o Cativeiro Babilónico da Igreja e aborda a doutrina dos sacramentos; em relação a esta Erasmo entrevê um caminho de verdadeira rutura, que até ali ainda era passível de ser reparada.
A partir desses escritos e de outros quer de Lutero quer dos seus seguidores, em 1530, na Dieta de Augusta, Filipe Melanchthon, o teólogo do luteranismo, apresenta de forma sintética e apologética a doutrina da fé dos protestantes na Alemanha. Esta Confessio Fidei, a que alguns príncipes aderem, é conhecida como Confessio Augustana e marca uma ruptura com a inteligência da fé de Roma. Atitude essa que com o tempo se vai reforçando. No que respeita à Eucaristia, esta começa por perder o seu valor sacrificial e por ser simplesmente valorizada como comemoração da Ceia do Senhor, para posteriormente se entender de modo diverso a presença real e a doutrina da transubstanciação. Não admira por isso, que o decreto Unitatis Redintegratio do Vaticano II sobre o Ecumenismo apele a que «se tome como objecto do diálogo a doutrina sobre a Ceia do Senhor, sobre os outros sacramentos, sobre o culto e sobre os ministérios da Igreja» (22). Desejosos dos bons frutos deste diálogo, vivemos na esperança de celebrarmos um dia uma só Eucaristia

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