Nordeste Transmontano

As Terras de Trás-os-Montes reúnem a maior concentração de mascaradas do mundo

Publicado por Glória Lopes em Qui, 2022-12-22 09:17

Em menos de duas semanas o Nordeste Transmontano concentra uma imensa variedade de celebrações tradicionais ancestrais ligadas às Festas de Inverno. “Esta concentração de festas do ciclo dos 12 dias, no distrito de Bragança e na província de Zamora, é a maior do mundo. Pode acontecer uma festa ou outra num ou noutro ponto da Europa, mas com esta dimensão, em tão pouco tempo, não se conhece outra”, disse António Tiza, presidente da Academia Ibérica da Máscara .
A porta das festividades associadas ao Natal, começam na aldeia de S. Pedro da Silva, no concelho de Miranda do Douro, com a tradição do Velho e da Galdrapa, que se cumpre normalmente no Dia de Santa Lúzia, a 13 de dezembro.
Trata-se de uma celebração ancestral, associado à fertilidade, tal como a maioria das outras Festas de Inverno ou Festas dos Rapazes em vários concelhos do Nordeste Transmontano e da Península de Zamora.
A tradição mantém-se viva em ambos os lados da raia, entre o Natal e o Carnaval, pela carolice e empenho de alguns populares que teimam em não as deixar perder.
As figuras da festa de S. Pedro da Silva são dois casais, um velho que usa uma máscara de cortiça e uma espécie de matrafona, mais dois jovens bailadores, representado o masculino e o feminino, que este ano até eram duas raparigas, uma vez que as tradições foram obrigadas a adaptar-se aos tempos e à falta de gente. “Dão a volta à aldeia para tirar a esmola”, explicou Alfredo Cameirão, da organização.
As ruas de S. Pedro da Silva estavam praticamente desertas, no passado domingo, dia em que se cumpriu a tradição. Tempo de frio, húmido e de escuridão, mas sempre que a procissão se detinha em frente a uma casa, abria-se porta. O proprietário oferecia enchidos e até houve quem desse dois passos de dança para acompanhar a Galdrapa, moça de pé leve e espírito irrequieto.
Estas figuras, que mais parecem do Entrudo, desafiam os que encontram, sujeitando-os a inúmeras tropelias.
O velho corcunda, envergando uma máscara de casca de sobreiro, ainda com liquens, é a figura central. Ao pescoço carrega um rosário de bugalhas de carvalho, com cruz em madeira, e na mão outra cruz de cortiça queimada, que dá a beijar a quem encontra. Como está tisnada ficam todos enfarruscados. Cai a cada passo, este velho que vai bebendo vinho de uma bota. Ao seu lado segue a Galdrapa, um homem vestido de mulher, com trajes mirandeses bastante coloridos. Provoca os homens subindo a saia. Leva na mão um pau com bexigas de porco e um ramo para os pendurar os enchidos que lhe ofertam. “Tem permissão para tudo, desde criar algazarra até entrar na casa dos outros habitantantes”, dando conta que esta festa apenas se perdeu nos anos 60 porque “deixou de haver jovens por causa da guerra colonial e da emigração”.
A espécie de cortejo é anunciada pela música, a algazarra não é grande, mas faz-se notar. “O velho trôpego gosta de se meter com as raparigas que encontra e com a própria Galdrapa”, explicou Alfredo Cameirão. A presença do grupo é anunciada por um gaiteiro, uma caixa e um bombo, a cuja música serve para esta comandita bailar a casa passo. É semelhante à maioria das Festas dos Rapazes do Nordeste Transmontano. “No fundo é Festa de Santa Luzia, em termos cristãos, e a Festa do Velho e a Galdrapa em termos pagãos. É uma semana antes do solstício de 20 para 21 de dezembro. Anuncia o advento do grande ciclo das festas”, acrescentou António Tiza.
Esta celebração é um ritual de fertilidade, tal como a maioria das outras associadas às Festas de Inverno em vários concelhos do Douro em ambos os lados da raia, entre o Natal e o Carnaval. “S. Pedro da Silva é a festa preparatória do grande ciclo dos 12 dias que começa 25 de dezembro para terminar a 6 de janeiro, dia de Reis, época de Festas dos Rapazes, Festa de S. Estevão, 26 e 27, Festa de S. João Evangelista, 27, 28 e 29, 31 passagem do ano, como por exemplo, em Vale das Fontes, a Encamisada, em que se faz a despedida do ano velho e a entrada no Ano Novo”, indicou António Tiza, presidente da Academia Ibérica da Máscara.
Antes disso há a Festa da Cabra e do Canhoto, em Cidões, a 31 de outubro, de carácter celta e que é de 40 dias após o equinócio de setembro e para os celtas e o início do ano. “Mas é diferente”, sublinhou o presidente da Academia.
As tradições têm evoluído. As festas que eram só dos rapazes solteiros são agora de toda a comunidade e as máscaras já são usadas só por homens casados e mulheres. “Esta evolução que levou à aceitação de outros grupos sociais acontece devido às circunstâncias das aldeias, que estão despovoadas. Até há 20 ou 30 anos eram só os homens solteiros, hoje na maioria delas já não é assim porque houve necessidade de aceitar outros, como os casados ou as mulheres. Ou se aceitavam estes grupos ou as festas morriam”, acrescenta.

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