A opinião de ...

Ucrânia – Nação de um Mundo menor!

A 24 de fevereiro, a Rússia de Putin invadiu militarmente a Ucrânia por terra, mar e ar, com direções de ataque a Leste, Sul e Norte. Ao 12.º dia, exerce o controlo de quase toda a faixa fronteiriça, enquanto bombardeia, ocupa ou mantém cercada uma série de localidades e está nas imediações da capital Kiev, o objetivo decisivo a conquistar. Eis a crónica de uma invasão anunciada, pelo menos, desde 2008, quando Putin iniciou um conflito com a Geórgia, para controlar as regiões da Ossétia do Sul e Abecásia, continuada em 2014 com a anexação da Crimeia com a maior das liberdades estratégica; neste mesmo ano, motivou ainda as regiões de Donetsk e Lugansk a declararem a independência da Ucrânia, apoiando, para tal, as forças separatistas.
O escolhido por Boris Yeltsin para lhe suceder no Kremlin em 2000, assumiu resgatar a Rússia da anarquia interna e do poder oligarca saída da implosão da URSS em 1991, impondo a sua vontade de ferro, a «ditar leis» no estrangeiro próximo, leia-se as antigas repúblicas soviéticas, através de uma postura política de suserania ou militar de repressão, e a restaurar a influência no contexto internacional, tornando-a respeitável e temida, aproximando, para o efeito, o dedo do botão nuclear. Só não percebeu quem não quis, nomeadamente a simpática América de Obama, a parceria energética da Alemanha de Merkel, a leviana França de Hollande e a complacente China de Xi. Relativamente à União Europeu (UE), atou-lhe um nó górdio, aspergido a gás e besuntado com petróleo. Para o «novo czar», a Ucrânia, entendida como parte da Rússia, está marcada para prestar vassalagem ou ser esmagada! Lembram-se de Grozni em 2003?
A Ucrânia sofre o determinismo geográfico que fragilizou a Polónia durante séculos. De facto, prensada geograficamente pelo imperialismo belicoso germano-russo, entre os séculos XVII-XX, a Polónia foi sucessivamente atacada, anexada, retalhada e até extinta, por um dos vizinhos ou por ambos, em simultâneo. Mas no limite permaneciam sempre os polacos, para lembrar que a Polónia era uma nação com ethos. Renasceu em 1991 com Lech Walesa e o Papa João Paulo II, democratizou-se, garantiu segurança com a adesão à NATO e foi aceite pela UE, que lhe permite estabilidade, prosperidade e um lugar no concerto europeu.
Já a Ucrânia, que sofreu ocupações, contusões, extermínios e penúrias de vária ordem, sobretudo no tempo dos czares e do regime bolchevique, permanece isolada e à mercê da águia moscovita: entalada entre a UE e a Rússia, não é aceitável para a Comunidade Europeia, enquanto quer desligar-se da CEI-Moscovita, tem na NATO, a que não consegue aderir, o diferendo Ocidente-Rússia, a que acresce a existência de duas «Ucrânias» inconciliáveis, a pró-europeia, a Ocidente, a russófila, a Leste. Não haja ilusões, Putin só vai parar, se parar, quando ocupar Kiev e mudar o governo a seu favor, tornando a Ucrânia uma extensão da Rússia apontada à UE! Por isso, esta é a hora da verdade dos 27 países comunitários, que se uniram como nunca e apoiam a causa ucraniana, inclusive com material de guerra, e do eixo anglo-americano, que tornou a Rússia um Estado pária, mas permanece ao largo a monitorizar a situação. Pode a robustez das sanções económico-financeiras surtir efeitos no isolamento do ditador, ferir a opulência dos oligarcas moscovitas e acicatar a baixa da qualidade de vida dos russos, deixando Putin fragilizado perante os seus? Veremos! Os rumores sentem-se.
Mas esta é, principalmente, a hora da verdade dos ucranianos. Se, como se percebe por estes dias, permanecerem o povo disponível para lutar pela terra pátria, se os cidadãos sentirem que o devir lhes pertence por direito, se agirem como nação unida em torno do inspirador presidente Zelensky, os poderes públicos mundiais podem ter de assumir as suas responsabilidades face à guerra e precaver militarmente ameaças futuras, Kiev pode revelar-se a tumba política de Putin e a Ucrânia emergir finalmente como Nação de um mundo maior. Seguramente, com sangue suor e lágrimas! Até porque já se percebeu que a guerra relâmpago de conquista da Ucrânia começa a revelar-se um malogro, que está a surpreender o próprio «senhor da guerra»!

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