A opinião de ...

A Confraria do Butelo e das Casulas de Bragança

 
Em 2011, aquando da feliz ideia da criação da confraria do butelo e das casulas de Bragança, escrevi um texto a saudar o propósito, tendo também aproveitado o momento para me congratular com o surgimento da sua congénere de Pinelo.
Decorridos três anos desse meu arrazoado, pude constatar que ambas as confrarias, a primeira liderada pelo meu prezado amigo, professor Nuno Pires, a segunda, de que desconheço os seus membros – mas, sendo meus conterrâneos, só podem ser boa gente -, têm tido um papel fundamental na divulgação deste verdadeiro manjar celestial, digno do episódio da Ilha dos Amores.
Numa pergunta retórica, poder-se-ão questionar os digníssimos leitores sobre a minha autoridade nesta matéria, e que conhecimentos tenho para me arrogar no direito de, sobre ela, tecer os comentários a que me proponho.
Porque sou natural do concelho de Vimioso, onde o butelo e as cascas têm, a par da zona da Lombada, Bragança, uma tradição muito enraizada, secular. Desde criança me habituei a degustar o butelo feito pelas mãos mais hábeis. A minha mãe, enquanto teve saúde, fazia um butelo divinal – o que motivava quase sempre os convívios familiares. As aldeias do meu concelho, às quais estou afectivamente ligado, tais como Vale de Frades, S. Joanico, Angueira e Avelanoso, eram não só a Meca do butelo de excelência, como das demais peças do fumeiro. Aida que diferentes no que respeita ao toque pessoal, nada se compara aos butelos feitos pela minha tia Prudência, pela Tia Arminda Pico, pela Tia Adelaide, mãe do meu cunhado Esteves – entre outras, que não são referidas, devido à falta de espaço.
Como segredo da obra produzida por estas laboriosas senhoras, além de terem umas verdadeiras “mãos de prata”, é de destacar os ingredientes utilizados para a concepção dos ditos butelos: ossos da suã, cortados em pequenos pedaços, cartilagens (vulgarmente conhecidas por “tenrilhas”) das costelas e das vértebras e, por fim, o indispensável rabo do porco – carnes temperadas com água, à semelhança do que acontece com as chouriças e os salpicões.
É aqui, se calhar, que o professor Nuno Pires quer chegar, quando, a propósito deste assunto, no seu último e apetitoso artigo, publicado neste jornal, titulado “O Butelo e as Casulas”, refere que “…há casos em que se vende gato por lebre, surgindo no mercado butelos perfeitamente industrializados”.
Para não termos a tentação de cair em preconceitos bairristas, nada saudáveis, convém termos presente o seguinte princípio: pondo de parte o meu ideal de butelo, é possível encontrarmos este produto com qualidade aceitável em zonas geográficas que tradicionalmente não lhe estão associadas, porque a qualidade, quando verdadeiramente é comprovada, é património de quem a ostenta, e não de quem, por decreto ou de outra forma, a reclama e diz pertencer-lhe.
Na minha maneira de ver, a subversão da qualidade de qualquer produto, a trafulhice -numa linguagem mais entendível -, resulta, em parte, da obsessiva moda de se certificar tudo quanto é produto vendável, sejam os jaquizinhos fritos, as pataniscas de bacalhau ou o butelo. Havendo depois a garantia oficial da qualidade (quantas vezes duvidosa!) desse mesmo produto, não falta quem, no recurso à nacional chicoespertice, o inflacione e o apresente com qualidade que não tem. Não sei se por defeito de consumidor, tenho uma perspectiva diversa daqueles que, como produtores e vendedores deste ou daquele produto gastronómico, vêem nestas oportunidades de negócio autênticas galinhas de ovos de ouro, que assenta muito na ideia errada de que a qualidade se deve reflectir no preço. Sendo eu insuspeito, por ser o butelo o meu prato preferido, considero que existem alguns abusos em relação aos preços de venda, mesmo nos casos em que a qualidade é evidente.Só esta visão, aliada ao papel meritório que tanto a confraria do butelo de Bragança, como a de Pinelo têm dispensado na divulgação desta nobre e saborosa causa, permite que este projecto/ambição a que, à minha maneira, me associo, possa continuar com a dinâmica que se lhe reconhece, contribuindo, assim, para engrossar o crescente rol de entusiastas.
 

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3462

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