A opinião de ...

Baralhar e dar de novo para ficar tudo na mesma

A demissão de Marta Temido do cargo de Ministra da Saúde dominou a atualidade desta semana. As televisões dedicaram horas a fio à análise da saída do Governo da Ministra que esteve mais em foco durante os dois primeiros anos de pandemia.
Mas, a conclusão mais óbvia que se pode tirar é que aquilo que vai acontecer é o chamado baralhar, dar de novo mas para ficar tudo na mesma.
Ao longo dos últimos anos e Governos, os titulares da pasta da saúde, uma das mais fundamentais de qualquer país, têm-se sucedido no cargo sem uma verdadeira mudança do ponto de situação no setor.
Ao longo da última década, com pequenas variações, como a possibilidade de retirada de serviços do interior do país (desde maternidades a urgências médico cirúrgicas e ao próprio helicóptero do INEM sediado em Macedo de Cavaleiros), as notícias têm sido recorrentemente as mesmas. Faltam médicos de especialidades, os poucos que existem não querem vir para o Interior, os concursos ficam desertos, especialidades que funcionam a meio gás, quando funcionam, por falta de médicos, falta de enfermeiros, falta de equipamentos (como TACs ou outros).
Mesmo algumas das medidas que foram entretanto implementadas, e apresentadas com pompa e circunstância, foram paulatinamente sendo deixadas cair por manifesta falta de capacidade logística de as manter (como as chamadas Vias Verde do AVC, por exemplo, que obrigam a um corre-corre dos bombeiros diretamente para hospitais centrais, deixando a descoberto o socorro nas localidades de origem).
Se, durante a pandemia, o país se uniu em torno de um desígnio comum e em que houve tolerância para as falhas (que as houve, há e haverá sempre), à medida que o combate à covid-19 foi tendo sucesso (para o qual muito contribuiu o esforço do pessoal da saúde e o processo de vacinação), os velhos problemas, as velhas queixas e os consequentes bloqueios voltaram a surgir.
Perante os sinais de rutura de serviços por falta de pessoal, optou-se pela solução mais fácil que é despejar dinheiro em cima do problema, o que não só não ajudou a resolver o existente como criou outros.
Aumentar o valor das horas extra pagos a médicos tarefeiros fez com que se depreciasse o valor que é pago aos médicos de quadro e, até, diretores de serviço e departamento, criando situações de injustiça e desmotivação entre mais profissionais.
Enquanto isso, continuam limitadas as vagas nos cursos de medicina, que continuam bloqueadas pela pressão da Ordem dos Médicos, por exemplo.
Ainda por cima, num país com parcos recursos financeiros, despejar dinheiro sobre um problema em vez de verdadeiramente o tentar resolver acaba por ser um desperdício pois o dinheiro disponível nunca é suficiente.
Assim como quem deita água para uma barragem repleta de fugas. A não ser que o volume de água despejado seja bastante superior ao das perdas pelas fugas, o volume de água disponível continuará sempre a baixar. A solução é mesmo enfrentar o problema de frente e estancar as fugas.
Mudar a Ministra será apenas isso, uma mudança de caras para a mesma forma de atuação (ainda que seja importante assumir a responsabilidade política pelas falhas ocorridas, como as mortes, neste caso).
Durante os dois anos anterior, todos perceberam a importância de ter um Serviço Nacional de Saúde forte e tendencialmente gratuito. Sendo fraco, fica à mercê dos ataques dos meros aproveitadores do sistema, que sugam os recursos de todos para uns poucos. E isso não é solução.

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