A opinião de ...

Os valores e a notícia

Por norma, não gosto de me pronunciar sobre outros órgãos de comunicação social. Cada um sabe de si e Deus sabe de todos, já diz o povo.
Mas toda a regra tem a sua exceção.
Nas aulas de Imprensa no IPB, muitas vezes questiono os alunos sobre os valores-notícia que estão na base da informação publicada todos os dias.
Ou seja, aquele conjunto de valores que permitem aos jornalistas estabelecer critérios para a elaboração de notícias, publicadas nos jornais.
Valores que vão desde a novidade, à quantidade, à proximidade, passando pela relevância de determinado tema ou personalidade.
Por exemplo, uma dor de barriga de Cristiano Ronaldo tem mais probabilidade de ser notícia do que se a mesma dor de barriga for sentida pelo ‘Zé da Esquina’.
Da mesma forma, um acidente com um autocarro que faça dez vítimas mortais na China tem mais probabilidade de ter menos atenção mediática em Portugal do que um acidente de trator que provoque uma vítima mortal no distrito de Bragança. Isto porque, a proximidade geográfica e social que sentimos, leva-nos a criar diferentes níveis de interesse pelos dois assuntos, apesar de, em número, o acidente na China parecer mais relevante. Contudo, para nós, portugueses, um acidente de um compatriota chama-nos mais a atenção.
No entanto, há alturas em que nos deparamos com informação publicada em que não se vislumbra qualquer interesse noticioso, do público ou para o público.
A capa recente de um jornal nacional de cariz sensacionalista, que esteve largos anos afastado de circulação, publicando em grande plano a fotografia do deputado Adão Silva, sem roupa, num local privado (quarto de hotel) em que não fica percetível qualquer comportamento desviante, por exemplo, cai apenas na tentativa de enxovalho pessoal.
No seu artigo 10.º, o Código Deontológico do Jornalista indica que “o jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos exceto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade, dignidade e responsabilidade das pessoas envolvidas”.
Numa altura em que a generalidade da comunicação social atravessa uma crise profunda, com a subida exponencial do preço das matérias primas e a perda de leitores, é a qualidade que fará a diferença na sobrevivência. Claramente, nem todos vão chegar ao fim...
Fica, pois, a pergunta: a quem interessa enxovalhar este deputado, que até é vice-presidente da Assembleia da República?
Na política vale tudo?

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3892

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