O Portugal de Abril, III, Conclusão (5), Apreciação final
Ao longo dos últimos 22 números, percorremos algumas áreas de realização da República Democrática Pluralista Portuguesa ou III República Portuguesa ou ainda República de Abril (desde 26-04-1974).
Rousseau, em Contrato Social (1763) aconselhou-nos a sacudir o jugo de um governo tirano e muitos «militares de Abril» pensaram que bastava sacudir o jugo. Outros, porém, precaveram-se contra os perigos da demagogia democrática que transforma os cravos da liberdade em espinhos da tirania.
Protegidas os cravos, o país pôde, a partir de 25 de Abril de 1976, iniciar, sobre muitos escombros, a construção de um novo Estado, o Estado Democrático Pluralista e de uma nova Sociedade, aberta a uma liberdade de desejada reciprocidade, nunca completamente realizada mas com belos exemplos de concretização.
O caminho da República de Abril foi protegido, entre 12 Março de 1975 e 29 de Setembro de 1982, pelo Pacto MFA-Partidos, tutelando o MFA o respeito pelas regras da democracia pluralista e da Constituição. Poucas democracias no mundo terão tido uma tutela assim, garantindo um caminho sem grandes sobressaltos políticos, cívicos, particularmente até 29-9-1982, data da revisão Constitucional, criando o Tribunal Constitucional em substituição do Conselho da Revolução. O papel do MFA e dos seus líderes democráticos tem de ser realçado pelos seus valores de liderança e de estabilidade.
Os nossos líderes, militares e políticos, souberam curar as feridas expostas da descolonização, recuperar uma economia exangue pelos excessos das benesses comunistas-socialistas que expõem os povos à míngua, e travar a construção de um estado totalitário a partir da liquidação da propriedade privada.
A caminhada portuguesa, tutelada também, até 1985, por alguns países aliados (EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Suécia) e pelo FMI, levou o país à Comunidade Económica Europeia (CEE, 1 de Janeiro de 1986) e esta deu-lhe alento espiritual e material mas transformando-o em Estado e Sociedade liberais (a partir da CRP de 1989).
A CEE/UE foi, para os portugueses, o terceiro mito sebastiânico, depois do de Alcácer-Kibir (1580) e do império transnacional, transracial e transcultural (1962). Os dinheiros advindos dela beneficiaram muito uns, os mais ricos e os mais corruptos, e prejudicaram os mais pobres, desapossessados dos seus bens e dos seus meios de produção pela via dos diversos emparcelamentos territoriais e produtivos, e os mais honestos. Vai sendo tempo de estudar a fundo os efeitos da CEE/EU em Portugal sob perspectivas múltiplas.
Na CEE/UE, o Estado e a Sociedade portugueses evoluíram, puxados por cavalos com rédea curta, mas não desinteressados, tutelando os avanços de um país abandonado (e abandonando-se) na sua condição semi-periférica. País que mostrou ser capaz de grandes feitos, de operar grandes progressos, de organizar sozinho grandes eventos mas que, tal como os leões, adormece sempre à sombra dos pequenos sucessos obtidos, caído na sua desorganização e clientelas, e espoliado dos seus melhores recursos materiais e humanos.
Será tempo de responsabilizar as sociedades política e civil para um despertar consciente que tome em consideração o verdadeiro interesse público nos processos de decisão e de supervisão e não apenas o mero interesse partidário e económico, suporte do debate e das práticas liberais mas esquecido já das da social-democracia participativa.
Muito obrigado, caro leitor, por me ter acompanhado.