A opinião de ...

As trincheiras dos valores na tragédia ucraniana

A Ucrânia é muito cortejada pelas suas riquezas naturais e pela sua localização geográfica. É particularmente rica em gás natural. Além disso, tem uma população relativamente jovem e cristã, esta na variante ortodoxa, e já socializada nos valores ocidentais.
Com estas características, a Ucrânia é uma «noiva» apetecível para cada um dos dois mundos ali em confronto: o mundo liberal-capitalista e o mundo autoritário-colectivista. Dito de outro modo, as democracias liberais contra o determinismo colectivista ou socialismo colectivista do Estado.
NATO e UE, de um lado, e Rússia, Síria, Irão, Coreia do Norte e Venezuela, do outro, dão corpo a uma luta entre o mundo das liberdades e da iniciativa privada contra o mundo dos colectivismos deterministas de Estado que, na prática, disfarçam os maiores atentados à construção do bem público. De aí que o povo russo viva miseravelmente porque a riqueza vai toda para os bolsos de oligarcas e amigos da elite no Poder.
A Rússia invocou a ameaça da proximidade da NATO para invadir a Ucrânia mas são as riquezas naturais e a localização estratégica ucranianas que justificam a invasão nos termos do imperialismo nazi e estalinista dos anos 40 e 50 do Século XX. Imperialismo que não justificava só o roubo dos recursos como o legitimaram Samuel Pufendorf e Joseph Shumpeter mas também a limpeza étnica que motivou vários holocaustos (holocausto judeu, tchecheno, bósnio, libanês, iraquiano, sudanês, ugandês, cambojano, sírio, Sudanês, ugandês)
A NATO e a UE invocaram o direito à liberdade de decisão da população ucraniana de entrada na NATO e UE em referendo bem como o dever de proteger a cultura e a civilização ocidentais dos determinismos colectivistas. Estes dois mundos, sintetizados por Georges Curvitch como luta entre liberdade e determinismo encontram-se em confronto mas, no caso da NATO e da UE, através dos ucranianos e das forças armadas destes.
Se a Ucrânia perder esta guerra, será uma vergonha para a NATO e para a UE, com enorme perda de influência no domínio do mundo. Se a Rússia a perder, será o fim da Rússia enquanto potência equilibradora do poder daquelas. Por isso, nenhum dos lados quer e pode perder e vai procurar arregimentar aliados fazendo escalar a guerra.
Por enquanto, é muito fácil para a NATO e para a UE fazerem o esforço de guerra. Têm muitos problemas económicos e financeiros derivados dos ricochetes das pesadas sanções à Rússia – que parecem não surtir grande efeito -, e têm despesas enormes em acolher os refugiados ucranianos, em nome da solidariedade cristã e do rejuvenescimento da população, mas não têm mortos na guerra. O problema vai ser quando tiverem de os ter para não agregar uma derrota por abandono do campo de batalha dos ucranianos.
Há assim um misto de hipocrisia e de cobardia na intervenção da NATO e da UE servindo-se dos ucranianos para diminuir o poder militar da Rússia, para confrontar os armamentos e para os fazer evoluir. Mas estes objetivos estão a ser conseguidos à custa da destruição do país e do genocídio da sua população que já faziam parte da «invasão pacífica e especial» russa.
Esta guerra é pois muito perigosa. Não só confronta dois mundos culturais, políticos, económicos, sociais, morais e religiosos antagónicos como vai fazer destruir um dos três blocos que dominam o mundo actualmente. Ou a NATO/UE ou a Rússia vão perder o seu poder de sobredeterminação dos destinos do mundo. A China assiste na tribuna do abutre à espera do confronto do Pacífico. Sair-se-á muito bem se o vencedor na Ucrânia for a Rússia, por quem, em silêncio, torce.

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