A opinião de ...

Back to basics

A espuma desta fase eleitoral deve fazer-nos reflectir. O país não será o mesmo, seja qual for o resultado, complexo ou simples, depois das eleições. E haverá que reflectir não só pelo resultado mas desde já, e sobretudo, por tudo o que levou a que tivéssemos chegado aqui e por tudo o que se tem assistido neste período pré-eleitoral, um quase absurdo que culmina anos de caminhos e medidas políticas desligadas da realidade.
É confrangedor e triste ver o desconhecimento do país por parte de quase todos os que se apresentam a votos. Que ignorância, surpreendente e manifesta, sobre a realidade do interior; a vida no campo; a vida nas cidades e vilas do interior; os agricultores; os habitantes nas aldeias, lugarejos e quintas do interior!
Os agricultores manifestaram-se justamente, mas o foco da comunicação centrou-se no corte de subsídios e nos cortes das estradas em vez de haver uma reportagem e discussão séria sobre as razões que levaram ao corte de subsídios (a incompetência governativa) e aos cortes de estradas (as condições de vida dos agricultores).
Por todo o lado se discutem os milhões da saúde, da habitação, do ensino, da defesa e segurança – mas são raras ou nenhumas as reportagens sobre a vida dos médicos e enfermeiros, dos jovens e das famílias, dos agentes de autoridade e dos militares. Discutem-se leis e carreiras de forma abstracta e descura-se centrar a discussão nas pessoas em concreto.
Muitas das discussões têm a sua oportunidade pela falta de reformas políticas e administrativas de que Portugal precisa há anos e que tardam. E no país anda-se a ralhar sobre isso, acabando por ninguém ter razão, porque o que se devia andar a discutir deveriam ser os diferentes modelos de reformas, que ninguém apresenta a votos de forma clara. Ora, a História ensina que quando as reformas a partir de cima se tornam impossíveis, as revoluções a partir de baixo se tornam inevitáveis. O custo humano e financeiro das revoluções é muito superior ao custo das reformas. Esperemos que o resultado eleitoral não venha a ser uma revolução…
O desligar da realidade da classe política está a levar a massa dos eleitores a querer dar um murro na mesa. Que, aparentemente, é uma razão justa. Mas que nos deve levar a reflectir sobre o panorama geral dos motivos e das pessoas que se propõem ir a votos.
O dinheiro. O défice. Os juros. Os empréstimos. As dívidas. A inflação. O PIB. O valor das exportações. A balança de pagamentos. Os números. Os números. Os números.
Precisa-se urgentemente que haja uma visão personalista da composição da sociedade portuguesa. Centrar as pessoas nas preocupações das medidas a tomar. Querer melhorar a vida das pessoas. Querer aumentar os seus graus de liberdade das escolhas de vida. Querer instalar uma preocupação permanente de que a dignidade e liberdade das pessoas está primeiro – e sempre! Informar duma visão personalista a gestão da Polis. E só depois os números. Em primeiro lugar devemos colocar os nossos valores. E só depois os números. Em primeiro lugar devemos colocar as pessoas. E só depois os números. Na política os números devem estar ao serviço das pessoas e das suas causas.
Mesmo ainda sem ter passado a espuma desta fase eleitoral deveremos tirar uma lição: a necessidade de nos voltarmos para as pessoas e os valores, para o que é importante. Colocar as pessoas e valores no âmago cultural das nossas decisões políticas evita repetir erros, permite-nos seguir em frente com arrojo e esperança, permite-nos construir sem precisarmos de fazer ruínas. Saibamos fazê-lo, instruindo-nos para isso. Praticando a equidade. Recuperando o sentido de pessoa, de família, de vida em sociedade com solidariedade.
É muito urgente. Mais urgente do que combater o déficit.

Edição
3974

Assinaturas MDB