A opinião de ...

Ministro detido por prevaricar …

Há dias, foi notícia em diversos órgãos de informação a detenção de um ministro e de vários responsáveis da nossa administração pública por haver indícios da prática do crime de prevaricação; depois desta notícia, dei-me ao cuidado de perguntar a diversas pessoas minhas conhecidas se sabiam o que era um crime de prevaricação; muitas nem sequer faziam uma ideia do que era este crime. Qualquer dicionário de língua portuguesa nos dá o significado de prevaricação: - “faltar, por interesse ou, má-fé, aos deveres do seu cargo, do seu ministério, e como exemplo, ministro ou juiz que prevaricou…” Esses órgãos de informação, quando deram a notícia, deveriam esclarecer as pessoas sobre o que significa cometer um crime de prevaricação, pois chego à conclusão de que poucos cidadãos a entenderam. O crime de prevaricação (para qualquer leitor entender) consiste em o agente retardar ou não executar atos próprios do seu ofício, ou praticar atos contra a lei por interesse pessoal ou má-fé. Estes crimes são geralmente perpetrados por funcionários públicos ou por profissionais que, por interesses patrimoniais ou outros, praticam atos não previstos na lei ou retardam a sua execução. (por ex., fncionário não emitir, ou recusar emitir, uma certidão no prazo legal e com isso prejudicar um cidadão).
Apenas a título de exemplo, refere-se o artigo 370º do Código Penal – crime de prevaricação cometido por advogado ou solicitador – “que intencionalmente prejudicar causa entregue ao seu patrocínio” ou “que na mesma causa advogar ou exercer solicitadoria relativamente a pessoas cujos interesses estejam em conflito com intenção de atuar em benefício ou prejuízo de alguma delas”. Estes profissionais que assim procedem, ao não defender os interesses dos seus constituintes para que foram mandatados, não exercem a sua atividade com lealdade e isenção; desta forma, abusam da confiança dos seus constituintes, cometem um crime, devem ser sancionados, não sendo dignos da profissão. Na nossa comarca, em mais de quarenta anos de lides forenses, nunca ocorreu qualquer julgamento pela prática deste crime.
A prática do crime de prevaricação é muito antiga e a condenação dos seus autores conhecida desde as primeiras leis escritas da humanidade, estando associada à prática negligente do exercício de certas profissões ou atividades; por simples curiosidade, apenas se refere dois preceitos do código de Hamurabi (1700 anos AC), para se ter ideia da forma como eram castigados certos profissionais com altos cargos e responsabilidades sociais que não cumpriam as suas obrigações:
 - Artigo 5º: - se um juiz dirige um processo e profere uma sentença por escrito, se mais tarde o processo se demonstrar errado e aquele juiz no processo que dirigiu, é convencido de ser a causa do erro, ele deverá pagar doze vezes a pena que era estabelecida naquele processo e se deverá publicamente expulsá-lo da sua carreira de juiz. Nem deverá ele voltar a funcionar de novo como juiz em um processo. - Artigo 229º: - se um arquiteto constrói para alguém uma casa e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cair e fere de morte o seu proprietário, esse arquiteto deverá ser morto. No primeiro caso, está em causa a nobreza e a dignidade da pessoa que tem por missão aplicar as leis com isenção e sabedoria; o juiz que não tinha estas qualidades não merecia ser juiz e era expulso. No segundo caso, o arquiteto que por negligência ou desconhecimento não aplicou as técnicas da construção de edifícios e, se daí resultou a morte, aplica-se a talis (lei de talião), tal crime tal castigo, o “ olho por olho” como referi na anterior crónica. Claro que a sanção seria sempre aplicada por um juiz depois da tramitação do respetivo processo onde o infrator se podia defender.
Há mais de quatro mil anos, segundo o código da Hamurabi, a responsabilidade pelo exercício de outras profissões (médico, veterinário, pastores, barqueiros, etc.) também já estava prevista, sendo sancionada com a pena de morte quando o seu autor exercia a profissão sem isenção, não cumpria as obrigações e, por desleixo, negligência ou intencionalmente, não observava as regras ou não aplicava as técnicas conhecidas que o habilitavam ao exercício da respetiva atividade e daí resultavam prejuízos irreparáveis para terceiros. Hoje, embora com outras sanções mais humanizadas, quem não cumpre os deveres profissionais a que se obrigou, ou jurou cumprir e fazer cumprir, sujeita-se a ser condenado pela prática do crime de prevaricação. Um ministro, como qualquer cidadão, também pode ser condenado se, por ação ou omissão, negligenciar as suas obrigações e causar prejuízos sociais irreparáveis. O crime de prevaricação, na maior parte dos casos, caminha de mão dada com o crime de corrupção, um dos piores males da nossa sociedade.
Como ninguém está acima da lei, um ministro, como qualquer cidadão

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