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A Caixa de Pandora e o Mundo Atual

É conhecido o mito “Caixa de Pandora” (na Antiga Grécia, civilização riquíssima, como sabemos, os gregos criaram certos mitos para explicar fenómenos da natureza, valores sociais e a sua religiosidade). O mito começa com Prometeu, um dos titãs, castigado pelos deuses por ter conseguido alcandorar-se ao nível das divindades, apossando-se do fogo sagrado, prodigalizando-o à humanidade. Os deuses consideraram grave tal ato de subtração ao seu poder. Punido, foi exposto no Monte Cáucaso para ser devorado pelas aves de rapina. Avisado da fúria divina, aconselhou o irmão Epimeteu a nunca aceitar um presente dos deuses, pois as divindades estariam procurando vingança.
Contrariando o conselho, Epimeteu aceitou a jovem e bela Pandora, criada pelos deuses para castigar a humanidade, evitando que os homens pudessem ascender ao assento divinal. Recebida por Epimeteu, levou a jovem consigo uma caixa, sendo imperioso, fora-lhe recomendado, nunca a abrir, o que era manifesta desobediência. Porém, Pandora, obstinada, abriu a vasilha. Dela saíram o sofrimento, as doenças, a miséria, a tristeza, a inveja e outros sentimentos cruéis. No entanto, algo, estranhamente, restou: a esperança.
É forçoso pensar em dois sentidos contidos neste mito, carregado de valor simbólico.
O primeiro respeita à criação, pelos deuses, da mulher bela, na perspetiva de confiar nas suas características intrínsecas para convencer Epimeteu: ousada e persuasiva, porém curiosa. A caixa guardava a maldade – muitos filósofos consideram que o homem já nasce malvado, egoísta, individualista, como defendia, por exemplo, o filósofo inglês Hobbes.
O segundo sentido significa a possibilidade de acreditar numa vida equilibrada, esperançosa e digna. Ou seja, o homem é naturalmente bom, como defendia, por exemplo, Rousseau, pois a sociedade torna-o desumano, intolerante, sectário.
Ora, estamos perante uma oposição: a caixa de Pandora encerra, simbolicamente, esta dualidade entre a capacidade de o homem resistir perante a adversidade e a tentação de conquistar o poder.
Então, interroguemo-nos: o que tem feito o homem ao longo dos tempos? De um lado, os fazedores de paz, os lutadores pela igualdade nas suas diversas aceções, os pioneiros da ciência ao serviço do Outro, os proclamadores ativos da tolerância, os filósofos da criação de um Mundo Novo. Do outro lado, os conquistadores do poder, seja pelo dinheiro, seja pela influência, seja pela força de ideologias, sujeitando-nos a um “colete de forças”, contribuindo para tamanhas desigualdades que acompanham o Homem – é a predominância do egoísmo e da insensibilidade. Também Hesíodo (poeta grego do séc. VIII a.C. em Trabalhos e Dias – ver Frederico Lourenço in Grécia Revisitada) questiona: o mundo é injusto? Não são os inocentes que morrem? Já nem a esperança nos resta?
Sem qualquer tentativa de “ideia feita”, poderia invocar duas figuras da História do Homem e da História das Religiões. Confúcio (séc. V a.C.) e Jesus. Aquele afirmava a necessidade de os governos dos reis assegurarem o bem-estar dos súbditos. Jesus, na sua extrema bondade, ensinou a amar, a perdoar, a ter compaixão. Que correlação existe entre estas duas maneiras de encarar o mundo actualmente? É possível ter esperança e aspirações no Mundo atual?

Edição
4009

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