A palavra no contexto da educação
Leiam, caros leitores, três notícias que me proponho interligar. E um breve comentário. Dizem respeito à educação pela palavra, escrita e falada.
Primeira (publicada por IGIN, sítio brasileiro de notícias, em 26.11.2024): «Em 2009, a Suécia decidiu substituir livros por computadores; 15 anos depois, já gastou 104 milhões de euros para reverter essa decisão. Uma experiência datada de julho de 2014, realizada nos EUA, mostrou a eficácia da medida que proibiu telemóveis nas escolas, o que melhorou as notas e a socialização dos alunos».
Segunda (publicada pela ONU News em 26.11.2024): «Mafalda, personagem de Quino, cartunista argentino, visitou a ONU em Nova Iorque. A visita foi organizada pela ministra argentina da cultura para celebrar os 60 anos de Mafalda, conhecida por observar o mundo que, segundo ela, está repleto de insensatez. Nas histórias de Quino, ela tem 6 anos de idade, e afirmou que um dos seus sonhos era aprender línguas para ser intérprete da ONU, contribuindo para o entendimento entre os povos».
Terceira (retirada do livro O Poder da Palavra – A Arte de Conversar, de Mariano Sigman, Editora Temas e Debates, 2023, pg. 81): «Michel Montaigne (viveu no séc. XVI), filósofo considerado o precursor do estilo literário ensaístico, defendia, entre outros aspetos: (i) não falar para convencer, mas para desfrutar; (ii) duvidar de si mesmo e recordar que sempre poderemos estar enganados; (iii) manter um pensamento crítico; (iv) refletir sobre o que aprendemos do outro na conversa».
Agora, façamos uma reflexão: poderemos imaginar uma escola onde, nas salas de aula, se pratica a palavra, escrita e falada, para criar um ambiente de aprendizagem? Poderemos imaginar que nessa mesma escola, as relações estabelecidas entre os alunos e os professores têm como alvo a reflexão? Podemos imaginar ainda que nessa escola, o uso das ferramentas tecnológicas é direcionado para a pesquisa e não para uma certa preguiça mental? Poderemos imaginar que os nossos filhos e netos poderiam sair enriquecidos pela fruição da palavra como a ferramenta mais virtuosa para criar seres pensantes?
Atrevo-me a roubar-vos mais uns minutos. Há uma debilidade muito concreta na crise do uso da palavra, em especial, nos domínios da política, da religião, da educação. Interessa, ao caso, falar de educação. Se na discussão pública política e da religião pode haver trincheiras, por vezes inultrapassáveis, se for utilizada uma argumentação eivada de razões antagónicas, confiando cada qual nas suas posições extremas, já no âmbito da educação as barreiras mentais podem ser superadas. Se as nossas crianças e jovens forem “aprendizes”, não meros recetores dominados pelas ferramentas tecnológicas – necessárias nos dias de hoje, mas não primaciais – e por modelos pedagógicos baseados no conceito canhestro de “ensinar”, estaríamos a mudar os comportamentos e a construir cidadãos ativos, críticos, interventivos. Seria interessante, por exemplo, que o professor utilizasse uma tira da banda desenhada de Mafalda sobre as alterações climáticas, colhida no computador, para gerar, através da palavra, uma aprendizagem criativa e crítica, baseada na imaginação e na ação.