Mirandela

Dois comandantes e Associação Humanitária dos Bombeiros acusados de crimes de peculato e falsificação

Publicado por Fernando Pires em Qua, 06/04/2025 - 17:29

O Ministério Público (MP), através do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto (que conduziu o processo de inquérito) acaba de deduzir acusação contra o antigo comandante dos bombeiros de Mirandela, Edgar Trigo, o seu adjunto, Luís Carlos Soares – atual comandante daquela corporação – e também a própria Associação dos Bombeiros pela alegada prática de crimes de peculato, abuso de poder e falsificação de documentos. Em caso de condenação, pelo crime de peculato, o atual comandante incorre numa pena acessória de proibição de exercício de funções.

Segundo o despacho, a que tivemos acesso, entre 2014 e 2017, os dois arguidos, em conluio com Marcelo Lago, o então presidente da direção daquela associação (faleceu em 2024) “obtiveram, em benefício da associação, verbas monetárias pagas pela Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC), a título de subsídios de Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF), em montantes superiores àqueles que efetivamente eram devidos e que foram por aquela associação apropriados”.

O MP diz ainda que, igualmente, em conjugação de esforços e intentos com o Presidente da Direção da associação arguida, “foram descontados dos subsídios efetivamente transferidos para os elementos do Corpo de Bombeiros de Mirandela (que prestaram serviços de DECIF), o valor individual de 5,00 € (cinco euros), por cada turno prestado por bombeiro, descontos esses que foram retidos e apropriados em nome, representação e interesse da Associação”, pode ler-se.

O MP fez as contas aos quatro anos em causa e concluiu que a associação terá recebido “indevidamente” 121.524,99 €, pelo que pede a condenação solidária dos arguidos a pagar ao Estado esse montante, por entender que que “corresponde ao valor da vantagem obtida”.

É o culminar de um longo processo de inquérito, inicialmente conduzido pela Polícia Judiciária e posteriormente entregue ao DIAP do Porto, que teve origem numa denúncia anónima apresentada, em 2019, contra Marcelo Lago, Presidente da Associação, que veio a falecer em fevereiro de 2024. “A responsabilidade criminal extingue-se ainda pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto”, refere o despacho.

Ao longo destes anos, foram constituídos e interrogados como arguidos, cerca de meia centena de bombeiros, mas por “falta de indícios quanto à responsabilidade criminal dos bombeiros que figuraram nas escalas dos anos de 2014 a 2017”, o MP decidiu-se pelo despacho de arquivamento.

Os arguidos têm agora 20 dias para ainda poderem requerer a abertura da instrução. Luís Soares já fez saber que vai recorrer para “desmontar a acusação”, considerando que são “falsas e injustas”, alegando que “não participei no processo das escalas das equipas e dos pagamentos que a acusação sustenta”, diz.

Também o antigo comandante, Edgar Trigo, já fez saber, através da sua mandatária, Paula Borges, que vai requerer a abertura da instrução. Até ao momento, ainda não foi possível obter uma reação da atual direção dos bombeiros que herdou este processo.

VALORES INFLACIONADOS A FAVOR DA ASSOCIAÇÃO

Segundo o despacho de acusação, entre 2014 a 2017, Marcelo Lago (já falecido), Edgar Trigo e Luís Carlos Soares, em colaboração entre si, “deram instruções e ordenaram a vários dos bombeiros da associação que assinassem os registos de presença do DECIF sem que, na verdade, esses elementos tivessem efetuado os respetivos turnos, falsificando dessa forma aqueles documentos. Ou seja, nesses anos, nos meses de maior perigosidade de ocorrência de incêndio (julho, agosto e setembro), foram indicadas à ANPC a existência de equipas para combate a incêndios (ECIN) em número superior às efetivamente asseguradas pelo Corpo de Bombeiros de Mirandela”, adianta o MP.

Ou seja, foram indicadas “equipas fantasma” ou “equipas pirata”, sendo que, posteriormente, para efeito do recebimento do subsídio a pagar por cada turno, por bombeiro, eram remetidas as folhas de registo de presenças integralmente assinadas, com as quais a ANPC procedia ao respetivo pagamento”.

Ainda segundo o MP, o pagamento aos bombeiros das equipas de combate a incêndios florestais eram descontados 5,00 € a cada um, a cada 24 horas, ou seja, um bombeiro trabalhando 24 horas deveria receber 45,00 € pelo serviço, mas só recebia 40,00 € (quarenta euros), ficando os restantes 5,00 € em benefício da associação, permitindo que fosse arrecadada pela Associação uma verba maior do que aquela que seria devida.

Depois de efetuado exame pericial aos valores pagos pela ANPC no âmbito do DECIF dos anos de 2014 a 2017, foi apurado que o valor recebido a mais do que era devido, ascendeu a 121.524,99 €.

 

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