Nordeste Transmontano

Estudo aponta distrito de Bragança como um dos mais afetados pelo deserto de notícias

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2022-06-23 10:30

Cinco dos 12 concelhos do distrito de Bragança integram o chamado ‘deserto de notícias’, sem um jornal ou rádio próprios nesses concelhos, o que pode vir a ter consequências na democracia como, por exemplo, a subida das taxas de abstenção.

Essas são algumas das conclusões de um estudo levado a cabo pelo investigador brasileiro Giovanni Ramos, investigador do LabCom da Universidade da Beira Interior (UBI), que foi recentemente atualizado.

“Um terço dos 50 concelhos com mais abstenção estão no ‘deserto’ noticioso. É uma situação relacionada com os concelhos mais pobres e com menos gente. Onde há pouca gente, sem gente e sem dinheiro, como é que se monta um órgão de comunicação?”, questiona Giovanni Ramos, em declarações ao Mensageiro.

O investigador explica que o deserto noticioso “são regiões que não possuem noticiário local, são comunidades que se a população quer saber o que acontece na sua cidade, na sua comunidade, precisa” de procurar “meios informais porque não há um jornalismo para atender isso”.

Em Portugal “temos um problema que atinge mais ou menos 20 por cento dos concelhos portugueses”, aponta o autor do estudo, que foi atualizado em setembro.
De acordo com dados de 2021, 19,8 por cento dos concelhos portugueses estão no deserto de notícias.

Isto é, 61 concelhos nos dados de 2021, acrescenta Giovanni Ramos, sendo um problema localizado “e que não é muito diferente dos outros países que já tinham feito este levantamento também”.

Dos 308 concelhos em Portugal, 57 não tinham jornais ou rádios com sede em setembro de 2020.

Giovanni Ramos refere que a solução passa, muitas vezes, por jornais com uma cobertura regional mais abrangente, como é o caso do Mensageiro de Bragança, que cobre todos os concelhos do distrito.

“Em Bragança e Vila Real há um número grande de concelhos sem comunicação. Quanto mais longe do mar, maior o problema. Há um problema populacional e económico muito claro”, aponta o investigador.

Ao Mensageiro, Giovanni Ramos indica que são precisas “políticas públicas específicas”. “Não dá para tratar os jornais regionais da mesma forma. Uma coisa é um jornal em Guimarães e outra em Freixo de Espada à Cinta.

O modelo de negócio tradicional não vai funcionar [onde há pouca população e empresas]”, diz.

Esta situação verifica-se, sobretudo, “em concelhos com menos de 10 mil habitantes”.

“É preciso encontrar uma outra forma de gestão do negócio. Não pode ser pensado de igual forma”, aponta.

Até porque este é um fenómeno com tendência para crescer e vir a afetar uma maior percentagem do território.

“Só estou há seis anos em Portugal. Pelo que já vi, dá-me a impressão que o deserto populacional está a crescer. Estudo na Covilhã e a população continua a diminuir a cada ano. Se não mudar isso, não tem atividade económica, o fenómeno vai crescer”, acredita.

E isso “não se resolve apenas com o jornalismo”, pelo que “o deserto é uma consequência”.

“Há lugares que hoje não estão no deserto de notícias mas que vão entrar brevemente”, sublinha ainda.

A questão dos hábitos de leitura dos portugueses “contribuíram para acelerar a situação”.

“Portugal é muito tradicional, ligado aos jornais impressos. Não acreditamos que os meios impressos vão continuar muito mais tempo. Nesta altura, não deveríamos mais falar de transição para o digital. Isso já deveria ter acontecido. Vejo isso como um risco muito grande, de os jornais impressos fecharem e as regiões não estarem preparados para essa transição”, aponta.

Neste estudo entra também a variável das rádios locais.

“Se fosse só jornais, seriam cerca de 100 os concelhos afetados”, explica.

Giovanni Ramos aponta como solução a necessidade de intervenção do Governo.
“Estar bem informado é um direito. E se é um direito, parte da população portuguesa não está a poder exercê-lo em pleno. E, por isso, o Estado tem de intervir, porque é um direito do cidadão que está a ser coartado. O Governo tem responsabilidades”, frisa.

No entanto, Giovanni Ramos diz não considerar “que devam ser meios de comunicação públicos” a funcionar.
“É preciso um modelo novo, com jornais regionais em rede.

É preciso que o planeamento seja em rede”, aponta.

Ainda este ano o estudo será atualizado, de forma a incluir zonas de risco, com concelhos em que existe apenas um órgão de comunicação social.

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