A opinião de ...

Copo partido

Na semana passada, e após várias tentativas, a maioria dos deputados portugueses na Assembleia da República aprovaram a lei que despenaliza a morte assistida.
Sem novo referendo e depois de várias chamadas de atenção do próprio Presidente da República e do Tribunal Constitucional, que fez o projeto voltar atrás várias vezes.
Contudo, a teimosia persistiu e a lei foi mesmo aprovada, sem que tenha havido a necessária discussão, reflexão e consulta popular.
A partir de determinada altura deste processo, deu a ideia de que deixou de haver reflexão para haver apenas desculpas para a aprovação.
Os argumentos deixaram de ser discutidos e passaram a ser gritados, impondo uma visão parcelária. Uma discussão destas tem sempre a tendência de dividir os argumentos no copo meio cheio ou meio vazio.
O problema é que o resultado final, nesta situação em concreto, costuma ser o copo partido.
E, já se sabe, um copo partido não segura água, nem cheio nem a meio.
Sobre esta despenalização da eutanásia, a Conferência Episcopal Portuguesa escreveu o seguinte:
“Ao acontecer num momento da nossa história particularmente preocupante, num contexto de guerra, de recessão socioeconómica e de sinais de um Serviço Nacional de Saúde em grande fragilidade, a insistência legislativa motiva-nos a, democraticamente, salientar o seguinte:
1. Com tristeza recebemos a notícia da aprovação parlamentar, em sede de comissão, da legalização da eutanásia e do suicídio assistido. Embora não esteja concluído todo o processo legislativo e permaneça alguma esperança de que o diploma aprovado possa ainda ser alterado, queremos afirmar que, com esta legalização, é quebrado o princípio ético fundamental que se traduz na proibição de provocar intencionalmente a morte.
2. O diploma agora aprovado não garante, como os anteriores também não garantiam, o justo equilíbrio entre a proteção da vida e o respeito pela autonomia do doente, ao legalizar a eutanásia e o suicídio assistido para além das situações de doença terminal. Derrubando esta barreira, é expectável que se caminhe no sentido do alargamento das situações em que se pode pedir a morte assistida, com um verdadeiro impacto social.
3. Ao apresentar a morte provocada como resposta e solução para as pessoas que sofrem devido a doenças, em fase terminal ou não, ou ainda devido a deficiências graves, o Estado e os serviços de saúde veiculam uma perigosa mensagem a estas pessoas que, em situação de desespero, podem ser levadas a desistir de viver. Pelo contrário, entendemos que os cuidados paliativos, aos quais muitos portugueses ainda não têm acesso, são fundamentais nesta etapa da vida e decisivos para combater e aliviar o sofrimento. É de lamentar que, numa altura em que as carências do sistema de saúde estão muito longe de ser superadas, possamos correr o risco de apresentar a proposta de recurso à eutanásia como solução mais rápida e menos onerosa.
4. A resposta de uma sociedade adulta e esclarecida ao sofrimento, à dor e ao desespero não é abandonar quem sofre e aqueles que os acompanham, mas confortar, cuidar e amar para restaurar a esperança e dignificar a vida humana até ao seu fim natural. A eutanásia e o suicídio assistido constituem graves ameaças para a humanidade.
5. Porque a defesa da vida não se limita aos planos legislativo e jurídico, apelamos a que as famílias e os profissionais de saúde, a quem deve ser sempre garantida a objeção de consciência, rejeitem as possibilidades abertas pela legalização da eutanásia e do suicídio assistido e nunca deixem de testemunhar que a vida humana é sempre um dom precioso, em todas as suas fases, desde a conceção até à morte, que nunca deve ser intencionalmente provocada.

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3914

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