A opinião de ...

O tempo cronológico e o tempo da História

Na semana passada, a notícia principal não foram as comemorações dos 50 anos do 25 de abril e da libertação da sociedade portuguesa das amarras da ditadura vigente. Foram as declarações do Presidente da República sobre uma eventual reparação pelos anos de colonialismo, segundo disse.
Ora, o colonialismo começou há 600 anos, em pleno século XV, a reboque das Descobertas. Com as fronteiras terrestres consolidadas desde o século XIII, não restou outra alternativa aos portugueses da altura do que se aventurarem mar adentro à descoberta de novos recursos, escassos no continente dada a exiguidade do país.
O que faltava em recursos sobrava em coragem e aventureirismo.
Foi nesse contexto que as viagens pela costa de África permitiu a Portugal começar a estabelecer entrepostos comerciais, que se tornaram bases operacionais e, uns anos mais adiante, as bases operacionais cresceram na medida da formação de novos países, como São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola ou Moçambique.
A exploração dos recursos existentes nesses territórios traduziu-se, na altura, em minério, especiarias, matérias-primas como madeira ou recursos humanos, em regime de escravatura.
Como qualquer historiador pode explicar com mais propriedade, a História tem dois tempos. O tempo cronológico, que acompanha os calendários e os relógios, à medida que vai acontecendo. E o tempo da história, que divida a história em períodos de importância.
Ora, o que aconteceu há 600 anos pode parecer (e parece) uma barbárie aos olhos de hoje. O problema é que não podemos medir os atos praticados há 600 anos pelos padrões da sociedade contemporânea, pois os padrões também mudaram ao longo do tempo.
A escravatura não só era perfeitamente natural e enraizada na sociedade de então como já era comum milhares de anos antes, até que os portugueses ajudaram a mudar o paradigma e a aboli-la no século XIX.
Querer medir os atos praticados há 500 ou 600 anos pela bitola atual não só é erróneo (enganador) como errado. E uma grande falácia que se poderia esperar de muita gente. Não do Presidente da República.
A História e o Mundo mereciam outro discernimento.

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3984

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