A opinião de ...

Preservar a memória tendo em vista o futuro

Durante anos, as festas de verão e romarias eram sinónimo de animação para aldeias e santuários um pouco por todo o país.
Sem televisão (e a que havia tinha dois canais apenas para escolher), sem computadores, sem internet nem telemóveis, miúdos e graúdos tinham de se distrair com alguma coisa.
Daí que proliferassem as festas e romarias, autêntico ‘Facebook’ cara a cara, onde as pessoas se encontravam e partilhavam um pouco das suas vidas, onde se conheciam namorados, onde se dava um pezinho de dança e onde se jogavam muitos jogos desenrascados com paus, pedras, cordas, relhas, sacos, enfim, materiais de uso genérico e fáceis de arranjar.
As crianças cresciam felizes ao mesmo tempo que iam treinando diferentes competências, cognitivas e mecânicas. Desenvolviam espírito de equipa, o sentido de responsabilidade para além do desenvolvimento muscular.
Com o tempo e a introdução de novas tecnologias e serviços, o espaço exterior foi sendo cada vez mais substituído pelo espaço interior.
Tirar uma criança ou adolescente do seu quarto, do seu pc ou tablet é hoje um autêntico martírio (sei do que falo, tenho três filhos).
Os livros são sibstituídos por ecrãs, o cheiro do papel é substituído pelo das baterias de lítio a aquecer, o moreno do sol é substituído pela cor pálida de quem não põe um pé na rua.
Os convívios passam do cara a cara para a frieza do ecrã... nessa voragem da espuma dos dias, as festas e romarias foram perdendo visitantes, muitas entraram em declínio, outras desapareceram mesmo (assim de repente, lembro-me do S. Jorge, às portas de Bragança, que já faz parte das memórias do passado).
Por isso, iniciativas como o Campeonato Nacional de Jogos Tradicionais, promovido pela Comunidade Terras de Trás-os-Montes (CIM), é de uma importância fundamental para a preservação da memória dos nossos jovens, que serão os adultos de amanhã. E quando olharem para uma pedra mais faceada não pensarem que é apenas material de construção mas que pode muito bem ser um pedaço de grande diversão, para jogar ao fito, por exemplo.
Com esta iniciativa, que tem atraído cada vez mais gente aos jogos que em tempos se jogavam, até as festas e romarias ganham, pois muitas já os estão a incluir nos seus cartazes.
Iniciativas como esta, que é abrangente e envolve toda a região, são fundamentais para o desenvolvimento do Nordeste Transmontano.
É preciso que faça escola e envolva todas em vez de cada um se fechar dentro do seu concelho e com medo de se associar ao vizinho do lado.
Uma escola que deveria ser usada para outras iniciativas, como feiras ou mesmo projetos estruturantes. Já lá vai o tempo em que cada aldeia queria o seu polidesportivo, para hoje estarem na sua maioria às moscas e entregues às silvas... sem crianças.

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