A opinião de ...

História e identidade local

A construção das identidades locais, leia-se municipais, alicerça-se no culto e valorização de valores próprios das comunidades e territórios que constituem cada município, podendo partir-se para uma visão regional.
A tradição portuguesa é municipalista e nem podia deixar de sê-lo pois as comunidades constituíram-se em torno dos reconhecimentos foraleiros (outorga de forais) pelos monarcas, forais que levavam consigo o reconhecimento de determinadas características identitárias nos domínios económico, social, cultural, religioso e também de autonomia administrativa, o chamado regime de autarcia ou autogoverno.
O liberalismo português (tenha-se em conta os trabalhos de Alexandre Herculano) valorizou imenso estas características constituindo autênticos comunitarismos locais mas também, reconheça-se alguns bairrismos e lutas intermunicipais e regionais completamente bacocos.
O que hoje se valoriza com fundamento no estudo da história regional e local é o conjunto de objectos, artefactos e legados que constituem a herança cultural, patrimonial e simbólica que sustentam a identidade de cada comunidade diferenciando-a das restantes, mesmo se os legados herdados tenham natureza semelhante embora elementos materiais e produções culturais diferentes.
Vem esta reflexão a propósito da obra notável que a Associação de Defesa do Património Arqueológico “Terras Quentes” tem produzido no Concelho de Macedo de Cavaleiros e ainda em alguns concelhos do Nordeste Transmontano.
Instituição fundada há 15 anos tem tido como parceiros institucionais a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Encetou um trabalho notável nas vertentes arqueológica, histórica e de inventariação e restauro do património arqueológico e religioso da Diocese de Bragança. Obra cuja grandeza o Município de Macedo percebeu desde a primeira hora e, desde o início, tem sido o parceiro financeiro da Associação.
Em consequência de todo este trabalho, as populações de Macedo conhecem já muitos dos seus valores arqueológicos e civilizacionais desde há 50 séculos. Resultou desse trabalho o único museu de Portugal sobre a Batalha de Aljubarrota, com objectos únicos utilizados no campo de Batalha, tudo em homenagem ao macedense Martim Gonçalves de Macedo, o soldado que salvou Dom João I da morte às mãos do castelhano Sandoval, durante a refrega da batalha e que viria a determinar o desfecho da vitória de Portugal e a consolidação da sua independência.
Mas não é tudo porque as populações de Macedo têm ainda dois museus à sua disposição graças ao trabalho da Associação: o Museu de Arqueologia, “Coronel Albino Pereira Lopo” inaugurado no ano de 2016, onde se expõem os resultados do trabalho arqueológico em Macedo. Por outro lado a Associação “Terras Quentes” foi a primeira entidade privada do país a assumir os trabalhos de inventariação de uma Diocese (Bragança) de que resultou terem sido inventariadas 11.250 peças (o maior acervo do país). Desse trabalho, as paróquias de Macedo de Cavaleiros viram cerca de 400 peças, das de valor artístico “mais significativas” terem sido conservadas e/ou restauradas na Oficina de Restauro da Associação. Daqui resultou a emergência de um terceiro museu, o de Arte Sacra que abriu portas no ano de 2009. Estas acções serviram de exemplo à Diocese de Bragança-Miranda para chamar a si o remanescente do inventário em falta nos Concelhos de Bragança, Vinhais, Mogadouro e Miranda, tendo criado também a sua própria oficina de conservação e restauro, constituindo-se numa entidade empregadora, fitando o lucro, questão que merece alguma reflexão.
As catorze edições dos «Cadernos Terras Quentes» dão testemunho escrito do trabalho da Associação.

Edição
3633

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