A opinião de ...

Prova dos factos e dos nove

Os factos são a verdadeira prova dos nove. A sua análise exige, pois, radicalidade. O resto é chover no molhado e fantasiar na superfície onde não se assume a responsabilidade, se encobrem as causas e empurram as culpas para as vítimas.
O campo da política está fértil para a extrema-direita. Esta não precisa de plantar nada; limita-se a colher o que foi plantado e semeado, nas últimas décadas, pelos detentores do leme e do rumo da governança:
• Adoção do neoliberalismo como credo ideológico e político, único e exclusivo;
• Redução da sociedade a uma plataforma de negócios;
• Traição programática, obediência ao capital financeiro e servilismo dos interesses das corporações e dos poderosos;
• Controlo dos media para difundir inverdades, falsidades e mentiras, manipular, mistificar, impor o senso-comum e ostracizar o pensamento divergente;
• Pregação de uma economia ‘salvadora’ da nação, construída em cima de medidas que empobrecem e matam os já débeis e frágeis, doentes e precários;
• Entrega dos setores rentáveis e dos serviços essenciais dos Estados à ganância privada;
• Descarte das aspirações e necessidades básicas e urgentes das pessoas de todas as idades, tornadas reféns de vários medos e angústias;
• Instilação do veneno do divisionismo entre gerações que leva a encarar os idosos como peste e gastadores dos recursos públicos;
• Primazia na agenda política para temas causadores de fraturas sociais e de caos existencial;
• Degradação das instâncias e meios de cumprir a missão da justiça;
• Amiguismo e cleptomania nas atitudes, arrogância e cacofonia nos discursos dos atores políticos;
• Instrumentalização da instrução escolar e superior para promover a ideologia do individualismo, a idolatria das figuras com notoriedade e sucesso e o menosprezo pelos restantes, a indiferença às desigualdades, a hostilidade à inclusão e aos valores da cooperação, solidariedade e compaixão com o Outro, o diferente e estrangeiro. Etc.
O estendal é vasto; não dá para expor aqui a bancarrota espiritual e moral do sistema vigente na Europa e além dela, geradora da convulsão que afoga a democracia. Tamanha insanidade tinha que, um dia, atear o fogo e grito da revolta. ‘Chega!’ – eis a exclamação que muitos pronunciam e outros calam mas comungam; e que alguém, esperto e ladino, tomou para designação e bandeira partidária.
É neste terreno pantanoso que colhem os nacionalistas de fachada e os neofascistas de alma e coração. O estremecimento sente-se em toda a parte, à esquerda e à direita, nos mercados e nas estruturas sobre eles assentes. Tudo treme. O cenário é de nervosismo; e de clamor por soluções que substituam a carcomida ordem neoliberal e inaugurem um novo ciclo. Há um mundo a morrer e outro a nascer. No intervalo surgem monstros, para ocupar o vazio.

Edição
4043

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