Uma minoria maior
Por mais que Luís Montenegro deseje proclamar vitória, o resultado das eleições legislativas de 18 de maio é, no fundo, uma elegante derrota disfarçada. A manobra foi clara: precipitar eleições para se furtar ao escrutínio parlamentar da sua incómoda ligação à SPINUMVIVA — essa obscura criatura da promiscuidade entre política e negócios — e tentar conquistar o que eufemisticamente chamou de “maioria maior”. Tradução: maioria absoluta da AD ou algo aritmeticamente possível com a IL.
Mas os números são frios e cruéis. A AD ganhou 10 mandatos, o PS perdeu 19, o Chega subiu 8, a IL acrescentou 1 e o Livre 2. À esquerda, BE e PCP continuam a derreter como gelo em agosto. O PAN mantém-se estoicamente imóvel, como se tudo lhe fosse indiferente. A abstenção aumentou — e com razão: o país está farto de eleições.
A tal maioria maior não apareceu. O que surgiu foi um labirinto político de alianças improváveis e de armadilhas previsíveis. O PS saiu debilitado, o que impossibilitará uma solução duradoura de estabilidade. O Chega, que vive da instabilidade, cresce alimentado por um discurso apocalíptico que denuncia a falência do contrato social do pós-guerra e grita — com algum eco — contra a imigração descontrolada e a insegurança nas ruas. Não é confiável, como demonstrou ao longo do último ano. Mas não pode ser ignorado.
O Livre capitalizou o voto urbano e bem-pensante, numa versão vegan do velho radicalismo: menos punho erguido, mais yoga ao pôr-do-sol. A IL, com um discurso polido e uma prática parlamentar sólida, cresce com contenção.
O eleitorado, esse, parece ter castigado todos. À esquerda, por não dar resposta realista aos problemas do dia a dia e por ignorar, com arrogância, a perceção de insegurança que grassa entre a população que a associa à imigração. À direita, por querer mais poder sem explicar bem o que faria com ele. Os eleitores deram um recado: não querem um governo forte, querem um governo atento.
Luís Montenegro pediu uma maioria maior. O povo português deu-lhe, não uma maioria maior, mas uma minoria reforçada de dores de cabeça. Com o PS enfraquecido e o Chega à espreita, qualquer passo em falso pode custar caro. Se negociar com o PS, reforça o discurso anti-sistema. Se ceder ao Chega, perde o controlo da narrativa e talvez da alma do regime. Em ambos os casos, arrisca-se a ser engolido por aqueles que hoje ainda dizem querer apoiá-lo.
No fim, Montenegro não escapou ao que queria evitar: o escrutínio vai apertar, os dossiês incandescentes da legislatura anterior vão voltar e as alianças que restam são ou frágeis ou venenosas.
Disse o povo: o Luís quer trabalhar? Pois então, trabalhe. Mas não espere descanso, nem lealdade. Ganhou, sim — mas o prémio é uma ardósia de problemas e um Parlamento com mais minas do que consensos.