A opinião de ...

Veritas (Verdade): “Quid est veritas?”

1. Esta pergunta foi colocada por Pilatos a Jesus na hora do seu julgamento. E Ele terá respondido, segundo Jo. 14.6., ego sum via, veritas et vita.
Não surpreende a resposta de Jesus: ‘trazia’ a verdade por inspiração divina, não como salvação política, mas como mensagem de justiça e do espírito da verdade. Verdade relativa à Sua missão. Separava Ele as águas do que pertencia a César e do que pertencia a Deus. Mas, ao separá-las, contribuía para a construção de um novo mundo. É que a verdade espiritual penetra nos homens buscando irmanação, união. Volto a Francisco: o seu pensamento– patente nas suas cartas encíclicas e nos seus discursos – estriba-se na ‘verdade’, em qualquer dimensão. A verdade espiritual humaniza; assim, poderemos defini-la como adaequatio intellectus ad rem, ou seja, a verdade expressa-se através da adequação entre o objeto e o intelecto. É o que lembra Francisco na sua Encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos) – igualmente em Laudato Si, como, aliás, no seu pensamento global – quanto aos problemas que afligem o Homem, hoje. Vislumbra a solução problemas na criação de ambientes que permeiem todas as formas de exercício religioso e social. Cita, entre outros, grandes líderes: Martin Luther King, Desmond Tutu, Gandhi, cada qual defendendo que os Humanos devem viver em harmonia e paz. Francisco: um construtor de pontes em tempo de surgimento de quem as não pretende. “Quid est veritas?”
2. Ninguém de senso crítico, a não ser aqueles que defendem o populismo (tema que merece ser desenvolvido hic et nunc, por ser um fenómeno complexo; a propósito, vide, entre outras obras, Populismo e Democracia – vários autores, edições 70, 2021), ousará, nestes tempos, atacar a democracia, todavia dela se servindo. É que a Democracia (em maiúscula, porque nela cremos) só é total, apesar de imperfeições que o Homem lhe introduz, se houver transparência e conhecimento partilhado que possibilitem liberdade responsável para fazer escolhas responsáveis. É que os chinfrineiros turbulentos de hoje procuram fomentar rebanhos seguidores através de linguagens e valores castradores da independência de espírito e da liberdade de discussão. Servem-se de mensagens apelativas, disponíveis em escassos segundos, através de ‘tweets’, procurando destruir o que as pessoas têm enquanto seres pensantes e exigentes, e não procuram mostrar a sua verdade em termos transparentes, de forma adulta e crítica. “Quid est veritas?”
3. Escreve Pedro Mexia (Da Capo, Revista do jornal Expresso, de 19.2.21), a propósito do filme “Ensaio de Orquestra”, do grande cineasta Fellini: «Em que medida é que uma orquestra necessita de um maestro, ou seja, de um princípio de ordem? Por um lado, esta orquestra é caótica, disfuncional, precisa de quem a dirija; por outro, é contestatária, insubmissa.». Pode surgir um maestro que ouça cada um dos músicos na sua especificidade, para harmonizar o conjunto, ou surgir um maestro que pretenda impor as suas ideias, sem ouvir as opiniões dos diversos músicos, antes admoestando, forçando, impondo. “Quid est veritas?”
4. Neste tempo natalício, de paz concreta e vera harmonia, um convite: ouçamos a nona de Beethoven, hino universal à liberdade e à solidariedade.

Edição
3864

Assinaturas MDB