A opinião de ...

Responsabilidade e culpa: hipermercado eclesial!

Todo o homem, e toda a mulher, para o serem verdadeiramente, também na sua condição espiritual, é impulsionado a percorrer os caminhos da sua existência, sempre antigos e sempre novos, numa contínua “aquisição” de relações e de encontros, ainda que enfadonhos, para se realizar entre os seus semelhantes, longe da vitória de uns sobre os outros. Longe dos vícios para se edificar nas virtudes.
Também os cristãos, porque consideramos que são seres humanos, precisam, neste tempo, de caminhos, “para que Deus se torne mais perceptível” (Georg Augustin), neles mesmos e para os outros. No entanto, há ainda um certo nevoeiro que desce, com cheiro a ditadura, quando se trata de novos caminhos. Poderá alguém esquecer-se que todos têm a responsabilidade e a culpa das suas ações, ou da ausência delas, “Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rom 2, 6).
Nesta hodiernidade da Igreja, de exigências construtivas, desafiando-nos em escala universal, somos chamados à verdade da responsabilidade e da culpa do estado em que o santuário de Deus se encontra. Havia um professor que nos ensinava que havia quatro tipos de estados: “o estado líquido, o estado sólido, o estado gasoso e o estado em que isto está” (Prof. Orlando Paiva). Podemos perguntar-nos: em que estado está a Igreja? Também esta nossa Igreja local!
A responsabilidade é uma atitude do presente a caminho do futuro, a culpa é o mero sentimento que apenas olha para o passado. Em termos desportivos, que a culpa seja o ponto de partida para que a responsabilidade seja a meta, nunca esquecendo os obstáculos que hoje tem como grande nome: a indiferença.
Há pouco tempo, numa apresentação acerca de População residente, alguém referia que este nosso distrito (territorialmente o mesmo que a diocese), terá por volta de 108 204 habitantes, de quem é a responsabilidade? Ou a culpa! Traduzindo isto para o campo eclesial, este mesmo território é servido, no ministério ordenado, sensivelmente por 80 sacerdotes e diáconos, de quem é a responsabilidade? Ou a culpa!
Convenhamos que, se o nosso olhar se prende a isto, então estamos perante um pântano onde nada cresce, tudo é tenebroso e não faz sentido “pulpitarmos” discursos de esperança e de renovação, usando como lâmina fina a teologia do tempo e da eternidade, da graça e da glória, do Paraíso ou do Inferno. Aproveitemos o tempo para outra coisa. Como escreveu Karl Barth, e bem, haja é quem entenda, «os homens não precisam de nós (teólogos) para viver». Então precisam de nós para quê?
Seria um erro fatal deixar-nos conduzir por este pensamento mundano, opressor, contraditório, sem sentido.
Esta reflexão pretende antes abrir-se à suavidade do Espirito, que continua a pedir que sejamos todos para todos, ainda que poucos. Sabendo que Deus chegou cá à terra primeiro que nós, e que cada a cada indivíduo é feito o convite da experiência, com plena consciência de que a “ciência” não seca nenhuma lágrima, mas a fé não só seca a lágrima, como fortalece o rosto, animemo-nos juntos! Todos com todos. Se algum sintoma há de fracasso na vida da Igreja de hoje a responsabilidade é nossa, de todos os baptizados, a culpa não tem aqui espaço e os culpados (não é o mesmo que arrependidos) não sabem construir o futuro. A Igreja não é hipermercado, tenhamos coragem!
Se alguém se atreve a fazer memória do passado, sem a consciência de viver o presente e desafiado a construir um nobre futuro de comunhão e de comunidade, vive numa atitude de sofá com velhas separações e de nada serve, para si e para os outros, este sentimento com odor a “sem-abrigo religioso”. A Igreja terrena foi sacudida, por pessoas que passeavam na paisagem religiosa, “viciadas na transcendência”, mas os alicerces e a pedra angular são perfeitos e eternos.
No limiar das realidades últimas, assombrosas por natureza, havemos de consciencializar-nos que todos somos responsáveis pelo bem que se edifica na Igreja e culpados pelo mal que a destrói. Vejamos a realidade e saibamos, responsavelmente, modificar o que for necessário, nesta oferta que a responsabilidade nos traz: crescimento, maturidade, aprendizagem, reencontro, encantamento e liberdade.
Somos nós, homens e mulheres de fé, quem faz a diferença e combatendo o bom combate tiremos a Igreja do regime mundano onde a colocamos sem responsáveis nem culpados.
A Deus é, por beneplácito da sua bondade, devido remover-nos para nos promover. Remover das realidades terrenas para nos promover para a realidade celeste.

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