A opinião de ...

Bola de Berlim…

 
Com o andar do último mês, com o rolar dos acontecimentos, com a leitura das vontades, senti que algo de mim fugia. O medo, a desilusão que o ar transportava, o pavor soprado pelas nuvens, tudo me sugava a um regresso de quarenta anos. O céu, tal como nos Gauleses de Asterix, olhava-me, lá do alto, num eminente desabar. Mas, naquele tempo dos sonhos, nos meus revoltados mas felizes vinte e poucos anos, sentia-me parte de um projecto, de um colectivo que se agigantava na luta contra uma ditadura atrofiante e desumana, sustento vergonhoso de desigualdades aviltantes. Naquela velha Universidade, no meu querido Porto, naquele majestoso edifício, no sótão que escondia o Curso de Economia, alguns estudantes congeminavam. A adrenalina corria-nos nas veias e a juventude extravasava no rubor das faces. Tinha-mos de agir, era para nós, evidente.
Quando Abril rebentou, todos, os que nos escuros se escondiam e os outros, todos festejaram a liberdade que desconheciam. Parecia, parecia mesmo, que a igualdade se soltara e matava a sede aos dela sedentos. Nesta segunda etapa, nestes mais quarenta anos, a mentira germinou, cresceu sadia, adubada, disfarçada, democratizada, enganosa e subtil. Um povo inteiro foi simplesmente anestesiado, adormecido e caminhou como tonto. Existiram timoneiros para todos os gostos: puros, genuínos, do povo e de duas caras, traidores, ladrões, malabaristas. Todos, mesmo todos, eram com e sem gravata. O saco foi ganhando volume e os gatos, felinos astutos, foram-se multiplicando em função do inchar de umbigos. Pressentia-se no que ia dar, era evidente.
Arte suprema, os portugueses foram capazes de eleger para Presidente da Republica o Primeiro-ministro que tudo teve para retirar o país das trevas e para o colocar em direcção ao futuro: dinheiro a jorros vindo da Europa, dólar em baixa, barril de petróleo em cotação mínima e o que fez: inventou as IP, impludidas porque mortais, com super custos para todos nós, iniciou as PP com a Lusoponte, destruiu os sectores pesqueiros a agrícola e gaba-se como sendo o melhor leitor de dossiers, mas de números não de gentes. Este Presidente, iluminado e ausente, assistiu, impávido e sereno, ao desbaratar do estado social, ao esmagamento familiar, ao horroroso tratamento da velhice, ao desemprego em massa, à monstruosa desigualdade na divisão da riqueza e, pasme-se, olha, do alto do pedestal, com orgulho pela obra feita, para o clube politico donde emergiu. Não foi azar, o povo escolheu, evidente.
Um dia o Infante D. Henrique, portuense de gema, lá na ponta de Sagres, interrogou-se no que para lá das águas acontecia. Arregaçou as mangas e pediu a ajuda da Nação, de toda a Nação, de todo um povo. A resposta colocou Portugal nos mapas do mundo como um dos maiores feitos da humanidade.
Agora, na armadilhada encruzilhada onde nos encontramos, o Presidente recolheu-se para meditação, ausentou-se da Republica. Com ar circunspecto de quem pensou, com os atarantados portugueses em escuta, o mais alto magistrado da Nação falou, falou apenas para os amigos, para seu clube íntimo, privado. Os outros, a grande maioria, sentiram-se órfãos, abandonados. Mas, todos sabemos que a democracia tem mais força do que a esperteza, venha de onde vier.
Tudo leva a crer que Cavaco, tal como o Mago, auscultou uma bola, não de Cristal de Alcobaça/Atlantis, nem de vidro da Marinha Grande, mas simplesmente uma Bola de Berlim

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