Análise de Paulo Reis Mourão - Professor do Departamento de Economia da Universidade do Minho

Eleições 2022: Uma Maioria Absoluta para lembrar Trás-os-Montes

Publicado por . em Seg, 2022-02-07 11:02

Neste comentário para o Mensageiro de Bragança, gostaria de focar 3 aspetos que considero relevantes para uma leitura mais completa dos resultados das eleições de 30 de janeiro de 2022: a surpresa dos resultados face às sondagens mais recentes, as principais razões descortináveis para os vencedores e para os vencidos, e o que os Transmontanos podem esperar ou exigir de um governo de maioria absoluta em São Bento.

Em primeiro lugar – a surpresa face às sondagens. Em termos técnicos, uma sondagem é um recurso metodológico para auscultar uma população sobre um conjunto de questões a partir de uma amostra. Inclusive, além das sondagens de mercado existem as sondagens de terreno para perceber os veios de água de um modo que esburaque menos o terreno. Nestes casos, aparecem ainda vedores - como autênticos feiticeiros do Marketing - que com os seus dotes pessoais - adivinham a água através da perceção de ondas eletromagnéticas. Mas isso é só para alguns.
Quando a sondagem é bem feita e bem interpretada, pode ser útil. Para a sondagem ser bem feita, a pergunta tem de ser clara, os respondentes têm de representar na perfeição a estratificação da população e serem suficientemente diversos para acautelar a disparidade da mesma.
Se estes passos forem cumpridos, o trabalho de gerações de estatísticos chegou aos conceitos de 'erro amostral'/intervalo de confiança pelo qual se consegue aproximar, em 95% de repetições aleatórias da amostragem, respostas que sejam convergentes. O erro amostral dá-nos uma certa garantia de que a resposta não se desvia em demasia da tendência.
Se, por exemplo, a pergunta for "Gosta do Azul ou do Verde?" e se, dada uma população, a amostra for suficientemente representativa em 97% dos exercícios de amostragem, se houver 55% dos respondentes a gostarem mais do Azul não é absoluto que a população goste mesmo mais do Azul. Como regra de ouro, nas perguntas duais, a preferência é mais garantida se a diferença for de pelo menos 12 pontos percentuais (ou de cerca de duas a três vezes no mínimo o erro amostral ponderado pelo número de alternativas); se incluíssemos o Vermelho (portanto Gosta mais do Azul, do Verde ou do Vermelho? como pergunta) a preferência em torno de uma das cores deveria ser de 10 a 12 pontos percentuais a mais do que a soma das preferências pelas outras duas, e assim sucessivamente.
Uma sondagem pode ser útil? Pode, sobretudo para dois momentos: no curtíssimo prazo, revelando as opções que acabámos de fazer ou que faremos logo de seguida ou para planeamento a prazo (por exemplo, para o que faremos daqui a meio ano). Sondagens de curtíssimo prazo - como "à bocas das urnas" ou sobre quando pretendemos mudar de viatura são muito mais fiáveis (portanto, mais seguras face a outros condicionalismos) do que as sondagens em vésperas de eleição. No entanto, persiste sempre um ‘erro de amostragem’. Se o erro for de 3%, então esperamos que aquela tendência de resposta (Azul preferido ao Verde) tenda a acontecer em 97 repetições do exercício da amostragem. Mas em 3 de 100 repetições pode haver enviesamentos vários que levem a conclusões inferidas erradamente.
No final, houve uma leitura errada da sondagem? Não necessariamente, mas como em muitas outras realidades da vida – inclusive nos exames médicos, nos casinos ou nas apostas desportivas – os números não contam a história toda. E uma das belezas da Estatística – e já agora da vida – é de que somos muito mais do que regras fatídicas ou horóscopos feitos para cada um e para a comunidade.

Em segundo lugar, razões apontadas para os três principais vencedores: o Partido Socialista, o Chega/Iniciativa Liberal e a queda da Abstenção. A vitória do Partido Socialista só foi possível pela capacidade de união que os militantes e os simpatizantes tiveram, ultrapassando seis anos de governo em minoria parlamentar, e animados pela expectativa de uma gestão diferente da pandemia no futuro próximo. Obviamente alguns indicadores económicos – desde o crescimento do PIB reconhecido para 2021 até aos números do desemprego – ajudaram ao resultado socialista, alicerçado pela capacidade de ‘voto útil’ à Esquerda. O partido Chega cresce apoiado numa classe média, de tendência votante à Direita, que se sente prejudicada pela perceção de que trabalha para muitos indivíduos assistidos pela Segurança Social ou de que empobrece devido às veias de corrupção instaladas no poder político.
O partido Iniciativa Liberal – que também cresceu nos dois distritos do Interior Norte – recolheu também a preferência de muitos antigos simpatizantes/militantes do CDS-PP mas também de diversos antigos eleitores do PSD. Ainda que a mensagem do Chega seja mais descentralizada no país e a do IL seja de foco no litoral urbanizado, estas duas forças vêm recolhendo atenções crescentes de eleitores tradicionais da direita conservadora na região.
A queda da Abstenção resulta da dinâmica combinada de toda as forças impulsionadoras deste momento eleitoral – os partidos e as suas mensagens, o estímulo ao voto de figuras influentes, mas também a mobilização trazida pelo ciclo eleitoral recente (onde se incluem as eleições autárquicas).
No entanto, o peso dos votos em branco ou nulos superou muitas forças partidárias a nível concelhio e nos distritos de Bragança e Vila Real (chegando a ser a quinta ‘expressão eleitoral’ em muitos círculos) – um aspeto que deve ser refletido com uma atenção diferente daquela que lhe é emprestada.
Em termos de razões para os vencidos (BE, CDU, CDS-PP, PSD) poderíamos acrescentar ao anteriormente exposto – a atratividade das forças vencedoras - as cisões internas dos partidos da Direita assim como a ‘responsabilização implícita’ dos parceiros de Esquerda na Geringonça face ao chumbo do OE.

Finalmente, o que podemos esperar ou exigir de um governo com maioria absoluta. Aqui, será uma faca de dois gumes.
Por um lado, a maioria absoluta evita a pressão externa dos partidos de oposição. Mas, por outro lado, a maioria absoluta obriga a uma grande dinâmica das famílias internas para ficarem bem-vistas junto das bases locais.
A região ficou descapitalizada e desinvestida. É necessário recompensá-la. Logo, se os governantes socialistas afetos à região conseguirem gerar decisões que a favoreçam teremos uma região mais contemplada – mantendo ou aumentando, também, o número de Secretários de Estado ou tendo inclusive Ministros oriundos da região. Caso contrário, se a região ficar esquecida (como abordo no meu livro “Economia do Esquecimento”) parte da culpa será dos políticos locais, sobretudo mas não-só, dos políticos socialistas que não tiveram a capacidade própria de se fazerem lembrados.

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