Projetos de prospeção mineira em áreas protegidas do Parque Natural de Montesinho e da Serra da Nogueira mobilizam protestos da população que teme a exploração
Para já, estão em análise dois pedidos de autorização de prospeção nos concelhos de Bragança e Vinhais mas está um terceiro a caminho, também na área do Parque Natural de Montesinho, para prospeção de ouro na zona de Mofreita. Residentes e descendentes mobilizam-se para travar processos pois temem que seja aberta “a caixa de pandora da exploração mineira” nestas áreas protegidas. Câmara de Vinhais já deu pareceu negativo.
Nas últimas duas semanas, as redes sociais não têm parado de fazer eco dos protestos de residentes e descendentes de transmontanos, que foram surpreendidos com a abertura de dois processos de pedido de autorização de prospeção de minério nos concelhos de Bragança e Vinhais, em plenas áreas protegidas do Parque Natural de Montesinho e Rede Natura 2000 (Serra da Nogueira). Um terceiro pedido está a caminho para a prospeção de ouro na zona de Mofreita, no concelho de Vinhais.
A consulta pública para os dois projetos atualmente em curso, Revelhe e Valongo 2, já terminou (o deste último terminou na segunda-feira) mas a maioria das sessões de esclarecimento com a população, que fazem parte do processo, só irão ocorrer depois disso, o que levantou ainda mais a revolta dos populares, que acusam o processo de “falta de transparência”.
Adriano Rodrigues, presidente da Junta de Freguesia de Rebordãos, em Bragança, eleito pelo PSD, não percebe o coro de protestos mas admite que “foi um erro” programar as sessões “para tão tarde”. “Deveriam ter acontecido um mês antes, mas nós também só fomos informados pelo Governo da República há um mês”, explicou ao Mensageiro.
“De facto, foram mal combinadas, deveriam ter sido há um mês. Mas foi só nessa altura que nos mandaram isto. Em Vinhais já fizeram algumas. Nós pedimos para se fazerem um pouco mais tarde porque as pessoas andavam às castanhas”, disse.
No entanto, as sessões que já decorreram foram “pouco esclarecedoras”, no entender de quem esteve presente.
Foi o caso de Henrique do Vale, de Vila Boa de Ouzilhão (Vinhais), que tem um projeto de exploração de um agroturismo naquela aldeia, uma das afetadas.
“Estive em todas as sessões. Criámos um grupo de trabalho em Vinhais para estar presentes em todos os esclarecimentos. Conseguimos uma reunião com a Câmara de Vinhais. Estamos a preparar uma carta que iremos mandar ao presidente.
Não fiquei esclarecido. Achei essas reuniões de baixo nível. O discurso foi mudando em função do público que estava presente. Houve muita falta de comunicação. As pessoas não estavam informadas. Um edital só não dá para informar as pessoas como deve ser”, disse, sublinhando que “sem dúvida que não houve nenhuma vontade ou preocupação em esclarecer a população ou tentar que conversássemos entre nós”.
“Não deu para perceber muito bem. Fala-se em prospeção e pesquisa mas não se fala na exploração”, sublinhou.
Em causa estão dois pedidos de autorização de prospeção de minério, fase preliminar de estudo dos solos que poderá vir a dar origem, ou não, à fase seguinte, de exploração do minério que vier a ser encontrado.
Um dos pedidos feitos à Direção Geral de Energia e Geologia é um pedido de atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais de Ouro, Prata, Cobre, Chumbo, Zinco e minerais associados para a área n.º MNPPP613 e a denominação “Revelhe”, ao abrigo do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio.
O outro é um pedido de prospeção e pesquisa de depósitos minerais de Níquel, Cobalto, Cobre, Platinoides e minerais associados para a área n.º MNPPP614 e a denominação “Valongo 2”, ao abrigo do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio.
No total, os recentes pedidos de prospeção mineira abrangem uma vasta área de cerca de 140 km². Enquanto a participação pública no chamado projeto Revelhe terminou a 25 de outubro com 157 participações, no projeto Valongo 2 – ocupando praticamente toda a encosta norte da Serra da Nogueira, numa área total de 105km2 entre Bragança e Vinhais -, a participação esteve aberta até segunda-feira e juntou 886 contributos de cidadãos.
Adriano Rodrigues, da Junta de Rebordãos, considera que “é positivo” que se faça a prospeção. “Parece-me bem que façam a prospeção. Isto não tem nada a ver com exploração.
Isto é uma norma da Comunidade Europeia que pede que façam prospeção do solo para ver o que existe, pois devido à guerra daqui a pouco tempo não temos nada”.
Apesar de se mostrar “contra a exploração”, o presidente da Junta de Freguesia de Rebordãos entende que a prospeção deve avançar.
“É evidente que aqui não quero uma mina a ser explorada. Mas é importante sabermos o que temos nos nossos solos, para saber onde futuramente pode haver uma exploração. Se não houver em quantidade, acaba aqui. Se houver, fica feita a prospeção e um dia mais tarde pode haver exploração. Agora, eu não quero. Mas isso não será para estes dez a 15 anos. Será a longo prazo. Mas acredito que não vai haver”, frisa. Sobre as críticas, mostra-se agastado. “Esta gente não sabe o que diz e é gente que não sabe o que é a Serra da Nogueira. Isto é uma serra que está preservada e não é por esses ambientalistas que vêm lá de Lisboa que têm um antepassado que era daqui mas nem sabem onde é a serra. Queria era ver essas pessoas nas sessões de esclarecimento”.
Sobre o processo, diz que será simples e que as “freguesias não recebem nada pela prospeção”. “O Governo lançou concurso a nível nacional. A empresa que ganhou vai gastar cerca de 85 mil euros. Vão andar por aqui, bater nas pedras com uns martelos, fazer uns seis a oito furos, para tirar amostras de onde desconfiarem que há minério.
Nas propriedades particulares têm de falar com os donos. Depois tapam os buracos novamente”, garante.
Certo é que o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) deu um parecer negativo a estas prospeções.
Na Câmara de Bragança já houve mesmo uma reunião que juntou a autarquia, a empresa empresa Gmr - Consultores, Lda. (que está localizada em Braga) e os presidentes das juntas de freguesia abrangidas.
Para já, o presidente da Câmara de Bragança, Paulo Xavier, prefere esperar para ver. “Nesta fase não podemos dizer que somos contra ou a favor pois não sabemos o que vai resultar dessa prospeção. São meia dúzia das nossas freguesias, que já foram convocadas para reuniões.É uma prospeção de terreno, perfuração. Município não está contra nem a favor, está na expetativa”, disse ao Mensageiro. “Vamos aguardar que haja uma informação do que é ou não é. Se for uma riqueza incalculável, teremos de avaliar”, concluiu.
Já em Vinhais, a Câmara decidiu, em reunião do Executivo, mostrar-se contra este pedido de prospeção.
“Tendo em atenção o parecer de outras entidades, como o ICNF, e o facto de as manifestações se terem manifestado e com olhos negativos. O Município não deixaria de estar ao lado das populações, sem saber o que será feito a seguir”, explicou ao Mensageiro.
Fantasma de exploração mineira começou em 2021
O espetro da exploração mineira neste território foi espoletado em 2021, do outro lado da fronteira, com a possibilidade de surgir um projeto em Calabor, junto à fronteira do Portelo, em Bragança.
Na altura, foi constituído um movimento, o UIVO, que agora voltou a fazer ouvir a sua voz.
“O processo não está a ser transparente”, sublinha Sara Riso, uma bióloga que tem um projeto agrícola em Tuizelo, Vinhais, e é a porta-voz do movimento.
“Aquilo que nos preocupa é que é uma empresa de Braga que fez estes dois pedidos de pesquisa, tem dois anos de existência, mil euros de capital social, mas os sócios estão envolvidos em grandes projetos de extração mineira e isso está a ser omitido às populações e autarquias”, sublinha.
Para além disso, “a maioria das reuniões está a ocorrer num período de pós-consulta pública”. “Não está a ser dada margem de manobra para que as pessoas se possam pronunciar e há alguma desinformação.
Há coisas estranhas como o surgimento de um parecer desfavorável do ICNF que só dá entrada no último dia de consulta pública do projeto Revelhe. Deveria estar disponível desde o início”, aponta.
Sara Riso teme que a prospeção venha a ser apenas o início do fim desta região. “Estes pedidos de pesquisa e prospeção abrem sempre uma caixa de pandora para um processo de extração. Se nos encontrarmos num cenário de extração, isso vai ter um impacto terrível nesta área.
O Revelhe está no PNM, o Valongo 2 em Rede Natura e ambos na Reserva Transfronteiriça Meseta Ibérica, a maior da Europa. Abrir este caminho vai conduzir esta região a uma estratégia de extinção, quando a estratégia que tem sido seguida tem sido de promoção de turismo natureza e fixação de jovens casais”, sublinha.
Por outro lado, questiona os benefícios proclamados para a região. “Para quem será essa riqueza? Uma unidade de extração é incompatível com turismo natureza. E as estratégias da Comunidade Intermunicipal terras de Trás-os-Montes vão totalmente no sentido oposto a um projeto de mineração.
Também não acredito que isso [proveitos da exploração] chegue aos agricultores e aos empresários da região. Vai-se perder terreno, solo agrícola. Perderemos o estatuto de reserva Transfronteiriça declarada pela UNESCO, a maior da Europa”, aponta.
Sara Riso sustenta a sua posição em experiências anteriores. “Basta uma pesquisa rápida. Não houve nenhum concelho ou distrito que tenha visto o seu nível de emprego subir com um projeto desta escala. São trabalhos altamente especializado, as pessoas vêm de fora, ficam alojadas nas instalações da empresa, comem nas instalações da empresa. Haverá, sim, uma redução da economia na agricultura. O rendimento dos agricultores e empresários da região vai ser reduzido.
O que acontecerá será ainda mais despovoamento, porque é impossível conviver com uma mina destas, até porque economicamente é mais viável a céu aberto”, acrescenta.
A somar a estas incógnitas, aponta ainda outras desconfianças. “Alguns membros estão indiciados na Operação Influencer. Por exemplo, João Barros, que pertencia à empresa Savanah e esteve envolvido no processo do lítio em Covas de Barroso. A pperação ainda decorre e ele foi indiciado”, diz.
Já Adorinda Gonçalves, professora de Educação Ambiental do IPB, salienta que a prospeção mineira ameaça diretamente áreas protegidas da Rede Natura 2000 e da Reserva da Biosfera Transfronteiriça Meseta Ibérica, reconhecida pela UNESCO. “Mesmo na fase inicial, a prospeção pode fragmentar habitats críticos, ameaçando espécies como o corço, e outras espécies cinegéticas e várias espécies de aves e borboletas raras que dependem das florestas e dos lameiros.
Além de comprometer o turismo sustentável e o desenvolvimento regional, a mineração exige grandes quantidades de água – até 65 por cento do consumo local em algumas regiões – e traz riscos de contaminação dos cursos de água com metais pesados e outros produtos químicos tóxicos, o que é especialmente preocupante numa região já afetada pela seca, em que as comunidades são obrigadas a uma gestão apertada dos regadios”, explica.
“Na área abrangida pelo projeto se situam as nascentes que abastecem muitas das comunidades locais e as cabeceiras de muitas das linhas de água que desaguam na Barragem de Castanheira e nos rios Baceiro e Tuela”, sublinha ainda.
Os Baldios de algumas aldeias afetadas veem neste projeto uma ameaça direta à gestão comunitária de recursos.
Em nome dos Baldios de Carrazedo, o conselho de compartes assinala que a área por si gerida “é considerada pelo ICNF uma das mais importantes e bem conservadas do país”. “Este projeto pode colocar em risco projetos sustentáveis de exploração de águas minerais e gestão florestal, com prejuízos financeiros para a comunidade”, dizem. Além disso, criticam a ausência, na proposta de Valongo 2, de um plano de mitigação ambiental e de uma estratégia justa para repartição de benefícios com as comunidades locais.
A próxima sessão de esclarecimento está marcada para o dia 8 de novembro em Gostei, representando uma nova oportunidade para que as comunidades expressem as suas preocupações e exijam medidas de proteção adequadas. Seguem-se as sessões de esclarecimento nas freguesias de Nogueira (12 de novembro), Castro de Avelãs (13 de novembro), Zoio (14 de novembro), Rebordãos (15 de novembro) e finalmente na União de Freguesias de Castrelos e Carrazedo (22 de novembro).
As sessões são públicas e abertas à população.