A opinião de ...

O CVII e a Música Sacra em Portugal

Muito provavelmente, os dois comentários mais frequentes acerca da música sacra em Portugal são «a música que actualmente se pratica nas igrejas não tem qualidade» e «a falta de qualidade da música sacra actual é culpa do Concílio Vaticano II».

O primeiro comentário é difícil de refutar, apesar dos muitos esforços desenvolvidos em diversas regiões do país. Uma simples audição aleatória das celebrações difundidas através da televisão, ao longo do ano, é suficiente para criar uma imagem de grande fragilidade musical. Apesar disso, é importante sublinhar o esforço pontualmente desenvolvido em diversas zonas do país no sentido de treinar cantores organistas e compositores, com vista a uma melhoria da qualidade da música praticada na liturgia.

Quanto ao segundo comentário – a alegada «culpa» do Concílio Vaticano II em relação a esta situação – a leitura é bem menos clara. As principais novidades da liturgia pós-conciliar foram a utilização da língua vernácula e o incentivo à participação da assembleia. No plano musical, estes dois factores obrigaram a uma renovação do repertório: um enorme desafio composicional, se considerarmos a vastidão do ano litúrgico, para o qual Portugal não estava preparado.

A extinção das ordens religiosas (e a consequente eliminação das estruturas de produção e formação no domínio da música sacra), ocorrida em 1834, constituiu um golpe do qual a Igreja portuguesa não se recompôs. Mais de um século depois, foi essa Igreja extraordinariamente debilitada sob o ponto de vista musical que acolheu os desafios do Concílio Vaticano II. A adaptação do repertório musical às normas conciliares fez-se com maior facilidade em países (como, por exemplo, a Alemanha) onde a tradição musical sacra nunca foi interrompida.

O problema da qualidade da música sacra em Portugal não é uma consequência da renovação litúrgica. É fundamentalmente um problema técnico. Quando músicos técnicamente apetrechados no domínio da música e da liturgia se colocam ao serviço da Igreja, a música sacra escrita no século XXI pode igualar, em qualidade, a que orgulhou o nosso país em épocas passadas.

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3901

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