A opinião de ...

UM MUNDO ESTÉRIL

 “Um mundo em que as mulheres são marginalizadas é um mundo estéril”, afirmou o Papa Francisco no passado domingo, Dia Internacional da Mulher. Ora, as estatísticas confirmam que assim vai o mundo, uma vez que as mulheres continuam a ser diariamente discriminadas no seio da família, na escola, no local de trabalho, na Igreja e na sociedade em geral. E persistem os preconceitos, os estereótipos e o glass ceiling que as impedem de aceder aos cargos mais prestigiados socialmente e mais bem remunerados, não obstante possuírem elevados graus académicos e experiência profissional.
Por estes dias, tive a oportunidade de participar em dois interessantes debates. No dia 6, em Paris, a propósito dos quarenta anos da Lei Veil (despenalização da IVG em França) e, no dia 10, em Lisboa, promovido pela Ordem dos Advogados. Mais uma vez ficou claro que a história da igualdade entre homens e mulheres é feita de avanços e recuos e que nada pode ser dado por adquirido. Se na vida política se registaram assinaláveis melhorias foi graças ao sistema de quotas, consagrado na lei da paridade. Sem isso, seriam necessários mais sessenta anos para se atingir uma representação equilibrada de homens e mulheres. Agora, é preciso aplicar à economia o mesmo principio. Vai nesse sentido a recente legislação europeia, assegurando uma representação de quarenta por cento de ambos os géneros nos conselhos de administração das empresas públicas e cotadas na Bolsa. Os sistemas de quotas não são um fim, são o único meio já testado para acelerar o processo de representação equilibrada de homens e mulheres seja na vida política seja na atividade económica. A paridade não é sinónimo de partilha do poder.
A desigualdade tem múltiplas faces. Uma delas é a da mulher que ganha menos que o colega para fazer o mesmo trabalho ou de igual valor. Em Portugal, a disparidade salarial é de 18% e acentua-se nos quadros superiores. Portugal é, aliás, o país da UE em que as desigualdades salariais entre homens e mulheres mais se agravaram. Elas trabalham, em média, mais 65 dias para ganhar o mesmo que eles. A disparidade salarial não é maior porque os salários dos homens portugueses baixaram consideravelmente nos últimos anos. Porque falamos de médias e, no sector público, a Constituição Portuguesa não permite tais discriminações, significa que no privado o fosso salarial pode chegar aos 30%. E, como é sabido, em muitos casos, não é apenas a remuneração horária bruta é o único indicador de avaliação, existem também os complementos salariais, como carro da empresa, combustível, cartão de crédito, despesas de representação, etc.
Outra face da desigualdade é pobreza. O rosto da pobreza é tradicionalmente feminino e a história revela que, em tempo de crise, os grupos mais vulneráveis são desproporcionalmente afetados. Por causa das políticas de austeridade, as mulheres viram, por um lado, reduzidos os seus rendimentos (salários e pensões) e, por outro, as comparticipações sociais do Estado, pelo que muitas delas foram atiradas para situações de pobreza e exclusão social. E, no entanto, está provado que apoiar as mulheres é um investimento altamente compensador que gera economias mais fortes, sociedades civis mais vibrantes, comunidades mais saudáveis, mais paz e estabilidade. E é uma forma de apoiar gerações futuras já que as mulheres gastam mais dos seus rendimentos em comida, medicamentos e escolarização para as crianças. O lugar das mulheres na sociedade é uma das medidas fundamentais do progresso.  
As mulheres têm sido as invisíveis da história. Não se lhes peça que se contentem com o protagonismo, simbólico e perverso, de um dia especial e que fiquem silenciosas perante as sistemáticas discriminações no resto do ano.

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