A opinião de ...

“Deixem-se de tretas”

Há 37 anos, uma personagem de Herman José cantava na televisão, a plenos pulmões, “deixem-se de tretas, força nas canetas”.
Na altura, o Esteves incentivava a Seleção Nacional de futebol, que participou nesse verão no Campeonato do Mundo, que por cá ficou famoso pelo caso Saltilho.
Mas a expressão fica no ouvido e salta à memória numa altura em que se vê o anúncio de uma série de medidas para, alegadamente, resolver o problema do acesso à habitação em Portugal e dos elevados preços do arrendamento, provocados pela, mais uma vez, alegadamente, falta de habitações disponíveis para as famílias arrendarem.
Desde logo, causa alguma comichão ver como um problema que é, essencialmente, de Lisboa e do Porto, ganha contornos de nacional.
Por outro lado, este programa faz lembrar outra expressão celebrizada por humoristas. Tanta pompa e, vai-se a ver, e nada.
A falta de habitação disponível para famílias - pelo menos a preços que os salários nacionais permitam pagar sem ter de vender dois rins e o fígado a cada final de mês - radica num ponto de vista histórico e mais abrangente, na continuada centralização do país em dois grandes pólos (Lisboa e Porto).
Com o país a convergir, durante séculos, para estas duas metrópoles, estava bom de ver que ia chegar a altura em que a procura ia ser superior à oferta.
Essa altura chegou a reboque dos charters de turistas que todos os dias chegam pelas companhias low cost, pelo facilitismo dos vistos gold e pela atratividade de preços baixos face a outras economias mais poderosas (francesa, britânica, chinesa ou americana, por exemplo).
Estes fatores somados fizeram escalar os custos das novas rendas pois retiraram muitos imóveis desse mercado, transferindo-os para os do alojamento de curta duração, muito mais rentável para os seus proprietários.
Se a população portuguesa estivesse mais equitativamente distribuída pelo país, este fenómeno já não acontecia.
Em vez de medidas tomadas de forma tonta (a maior parte das que foram anunciadas não passam de uma tontice, que não terão aplicação prática ou resultado algum), era hora de pensar em estruturar verdadeiramente o país como um todo em vez de fazer dele uma constante manta de retalhos.
Começar por transferir serviços públicos para outras localizações que não Lisboa ou Porto. Para os funcionários, o mesmo salário daria para comprar muitas mais coisas, pois o custo de vida fora das duas maiores metrópoles é bastante mais barato. A somar a isso, ganhavam tempo de qualidade pois evitavam horas de deslocações, tinham creches para os filhos a preços mais acessíveis.
Por outro lado, tentar forçar o arrendamento coercivo é o caminho errado.
Devia ser criado o incentivo aos proprietários para estes optarem, por sua vontade, por esta opção. Desde logo, com um regime fiscal mais favorável.
Depois, com mecanismos céleres que permitam resolver os abusos de inquilinos abusadores, que deixam rastos de dívidas e destruição.
Por fim, começar por olhar para dentro do próprio Estado antes de começar a apontar o dedo. Só esta semana, proliferaram imagens de imóveis do Estado, devolutos e a degradarem-se, nas grandes cidades.
É fácil apontar os argueiros nos olhos dos outros sem vermos as traves nos nossos. E é isso que o Governo está a fazer.

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