A opinião de ...

Infla(ma)ção

Inflação arrisca-se a ser a palavra do ano no final de 2023, depois de ter ficado no segundo lugar em 2022, perdendo para ‘guerra’ (ganhou com 53 por cento dos votos contra 18,8 de ‘inflação’). E ainda só vamos no final do primeiro terço do ano.
Considerada “passageira” pelo Governo em 2022, a inflação veio para ficar e a níveis como já não se viam há 30 anos.
À pandemia de covid-19, que devastou os canais de comercialização tradicionais e a procura de determinadas matérias-primas (semi-condutores, por exemplo) juntou-se a guerra na Ucrânia, que afetou diversos setores, dos adubos (usados na produção de alimentos), aos cereais, passando pela energia (os combustíveis foram vendidos a preços recorde, ultrapassando os dois euros o litro, quer no gasóleo quer na gasolina).
Ora, na energia está um dos principais fatores do aumento generalizado de custos, pois afeta toda a cadeia de valor, da produção à distribuição.
Por isso, foi apenas normal que muitos preços tivessem de subir, nomeadamente dos alimentos.
Ora, com uma inflação provocada pela subida dos custos, que pressionou o preço final dos produtos, os bancos centrais reagiram da forma tradicional, aumentando o custo do dinheiro (subida das taxas de juros). Esse movimento faz-se, habitualmente, quando a procura é elevada, fazendo subir, por vias disso, os preços no mercado. Mas, apesar dos elevados níveis de procura, nesta caso a raiz do problema era outra, como atrás se explicou.
Essa tentativa de correção veio trazer ainda mais pressão aos consumidores e às famílias, aumentando as prestações de quem tem casa própria.
É certo que, obrigatoriamente, com menos dinheiro disponível, a procura se retrai, e isso tem feito recuar a inflação. Mas o preço da energia também tem caído a pique.
Com a confusão instalada nos mercados, muitos retalhistas aproveitaram o momento para testarem uma subida de preços, a reboque da desculpa da inflação. Outros quiseram manter a margem percentual de lucro, levando a um aumento exponencial do preço final.
O resultado foi a apresentação de lucros recorde por parte das principais empresas de retalho.
O agricultor, que produz alimentos para viver, só notou o aumento de custos, não o aumento de lucros com o crescimento dos preços.
Por isso, pensar que a anunciada redução do IVA para zero (uma poupança de seis por cento) se vai refletir diretamente nos preços (que em muitos casos já subiram desde o anúncio da medida) e na carteira dos consumidores, é uma ingenuidade.
Enquanto isso, a inflação arrisca-se a virar uma inflamação aguda da economia e, sobretudo, do bolso dos portugueses, com cada vez menos rendimento disponível.
Estas medidas são comparáveis apenas a um Ben-U-Ron que, como qualquer pai sabe, alivia os sintomas das constipações das crianças mas pouco faz pela cura.
Enquanto os preços da energia não estabilizarem (o preço de revenda está mais alto comparativamente com outras alturas em que o petróleo até estava mais caro) e os juros dos empréstimos descerem abaixo dos dois por cento, não haverá grandes melhorias. E isso só acontece com coragem.

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