A opinião de ...

A instrumentalização dos trabalhadores pelos verdadeiros “profissionais”

Numa notícia da Agência Ecclésia do início desta semana lê-se que o Papa assina o prefácio de uma nova obra dedicada aos Movimentos Populares, editada pelo Vaticano, e que congrega cinco anos de acompanhamento ao trabalho que é realizado por milhares de associações sociais e cívicas em todo o mundo.
No início da publicação, intitulada “A afirmação dos Movimentos Populares: a Rerum Novarum do nosso tempo’, e compilada pela Pontifícia Comissão para a América Latina, o Papa Francisco realça que os movimentos populares que integram e representam os mais carenciados são como “o fermento de uma profunda transformação social”.
Ainda de acordo com a Ecclesia, nesse texto, o Sumo Pontífice salienta que “os Movimentos Populares representam uma importante alternativa social”, como que “um grito” que ressoa das “entranhas” da sociedade, “um sinal de contradição, e uma esperança de que tudo pode mudar”.
“Os Movimentos Populares são a demonstração tangível e concreta de que é possível seguir um rumo contra corrente à cultura atual… através da criação de novas formas de trabalho centradas na solidariedade e na comunidade”, afirma o Papa
Ao resistirem à “tirania do dinheiro”, através da sua labuta e sofrimento, os Movimentos Populares afirmam-se também como importantes “sentinelas” na salvaguarda de um futuro melhor, acrescenta Francisco, que apela a um “novo humanismo” capaz de contrariar a atual falta de compaixão e de cuidado com o bem-comum.
Em Portugal, são os movimentos de alguns trabalhadores que têm ganho protagonismo nos últimos dias, à semelhança do que acontece, ciclicamente, quando se aproximam de eleições.
Num país que vive “um problema de vencimentos”, como reconheceu no fim de semana o próprio Primeiro-Ministro em entrevista ao Expresso, as queixas avolumam-se, são transversais às profissões e à sociedade, e são consideradas legítimas por uma grande franja da população.
Então, como se explica que as últimas greves realizadas, tendo por base reivindicações legítimas, e consideradas justas por muitos, tenham descambado na falta de apoio popular, como se viu recentemente com a dos camionistas de matérias perigosas.
Por um lado, pelo populismo crescente que está a tomar conta do sindicalismo, através dos sindicatos independentes, menos afetos oficialmente às agendas dos partidos, mas que, ao recorrerem a sindicalistas “profissionais”, colocam em causa a justiça da mensagem que pretendem passar, quer aos patrões, quer, sobretudo, à opinião pública.
E a questão da perceção do público (ainda) conta muito. A greve dos motoristas, marcada a meio de um processo negocial que se deveria estender até final do ano e para coincidir, estrategicamente, com um período de deslocações massivas (as férias de verão), contou, ainda, com uma conjuntura favorável. É que as televisões, sobretudo as que se dedicam 24 horas por dia às notícias, não tinham mais nada para noticiar. Daí que o país tenha entrado, segundo se ouviu dizer, numa “crise energética” que o comum do cidadão (sobretudo os esquecidos do Interior, que têm as bombas espanholas a meia dúzia de quilómetros e com uma vantagem de 20 cêntimos por litro) não viram nem sentiram.
Houvesse, por acaso, um grande incêndio para mostrar ou uma crise num qualquer clube de futebol da capital e o espaço mediático para a “crise energética” seria drasticamente reduzido. Assim como os efeitos de uma greve que mal se sentiram, a não ser na perceção das televisões.
Mas, como esta, poderíamos estar a falar das greves na Soflusa (que passam ao lado do resto do país que não é Lisboa e o Barreiro), dos enfermeiros ou dos professores, que viram muita da opinião pública virada do avesso. Ou não. É tudo uma questão de perceção.
E o facto de os sindicatos recorrerem, agora, aos grevistas profissionais, como Pardal Henriques, porta-voz de um sindicato de motoristas mas que é advogado, ajuda a que a perceção do público se inverta e a mensagem se perca no meio do ruído criado.
Um ruído cada vez mais concentrado sobre si mesmo e distante do país real. Aquele que vive longe da vista do Terreiro do Paço…
Assim, não há movimento popular que lute por mais justiça que resista. Por mais “profissionais das greves” que os trabalhadores contratem...

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