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Carção, onde o Natal e o Ano Novo (também) são… em Agosto

Estamos em pleno Agosto, o mês de todas as festas, durante o qual se celebram as festas dos santos padroeiros. Com especial brilho e solenidade, celebram-se também muitas festas em honra de Nossa Senhora, que, sob as mais diversas denominações, numa manifestação impressionante de fé e da acrisolada devoção mariana das gentes de Trás-os-Montes, é invocada como Rainha, como Senhora e, muito especialmente, como Padroeira e como Mãe.
Dentre todas festas em honra de Nossa Senhora, destacam-se as tradicionais e multisseculares festas de Carção em honra de Nossas Senhora das Graças, também invocada pelos carçonenses como a Senhora dos Milagres e a sua Santa Padroeira, por todos venerada com muito amor e ternura, à qual se confiam nas dificuldades e agruras das suas vidas, invocando-a confiada e carinhosamente como a sua Querida e Santa Mãe dos Céus. Embora inacessível quando visto apenas à luz da razão, todo este mistério de envolvência recíproca de amor maternal, é explicado, em toda a sua profundidade, por três simples palavras: Muita fé, enorme devoção e total confiança de todo aquele povo, que sempre se resguardou debaixo do aconchego do seu manto protector e nunca duvidou do seu amor maternal de mãe extremosa, uma mãe carinhosa e sempre presente para quantos a ela recorrem. E é desta relação de filhos agradecidos que, bem à sua maneira, as gentes de Carção,com inigualável bairrismo, organizam as festas da sua Nossa Senhora das Graças, para lhe agradecerem todas as graças concedidas durante o ano e, simultaneamente, pedirem a sua protecção e a sua bênção para o “novo ano” que vai começar.
Para muitos poderá parecer estranho falar em “Natal e Ano Novo” no mês de agosto. Em Carção, por razões difíceis de aprofundar e explanar minimamente num trabalho desta natureza, desde sempre que a celebração e a vivência do espírito de Natal, enquanto festa do reencontro da família e da partilha fraterna, foi mais vivido nas festas de Agosto, (curiosamente este ano nos dias 24 e 25) do que em Dezembro. E a explicação é muito simples. Porque as condições do Inverno dificultavam o regresso a casa dos carçonenses que, em grande número, andavam por fora, dedicados especialmente ao negócio, faziam-no então no Verão, aproveitando para reunir as famílias, descansar, reorganizar as mercadorias e, muito particularmente, assistir às festas e pagar as promessas à Senhora das Graças. Havia apenas pequenas lembranças para as crianças e, porque era festa, dentro do mais lídimo espírito de Natal, a porta de casa estava sempre aberta para quem quisesse aparecer e a mesa, à volta da qual iria reunir-se a família, nesse dia era farta e cheia para que desse para todos e para mais alguém que pudesse aparecer.
Estas festas, que durante tempos mais difíceis se resumiam às procissões, à missa cantada e ao arraial, com a facilidade de transportes e os bons acessos, cresceram vertiginosamente e hoje, alavancadas pelo brio e bairrismo, pelo trabalho e dedicação de todos os carçonenses, rivalizam com o que de melhor se faz em muitas das vilas e cidades.
Pelo programa lúdico e cultural, a decorrer toda a semana, especialmente nas noites que antecedem os dias de sábado e domingo, passam sempre as mais destacadas figuras da cultura, da arte e do espectáculo. Mas é muito especialmente pela grandiosidade, imponência, solenidade e brilhantismo das celebrações religiosas que as festas de Carção têm um brilho, uma solenidade e um encanto que as tornam únicas. Destas têm um especial destaque a secular procissão de velas na noite de sábado, mais antiga que as procissões da Senhora de Fátima na Cova da Iria na celebração das vigílias dos dias treze, e que tem como um dos momentos mais altos de fé e de devoção, a solene missa campal nocturna concelebrada no grande Largo das Fontes bem no centro da freguesia, nessa demasiado pequeno nessa noite para comportar a enorme multidão de fiéis que a ela querem assistir. No domingo, depois da missa solene em honra da Padroeira, é a grandiosa “procissão das promessas”, que durante horas percorre as principais ruas da freguesia, com momentos únicos de emoção no agradecimento à Senhora das Graças por todas as graças concedidas durante o ano, emoção que, não raro, impede de balbuciar uma única palavra de agradecimento, e nem mesmo os rios de lágrimas que a todos turvam o olhar conseguem exprimir os sentimentos de gratidão que enchem a almas de todos os que, com fé e generosidade “pagam” as suas promessas.
É este o verdadeiro espírito que faz únicas as festas de Carção, compreensível apenas por todos aqueles a quem é dada a graça de as viver em toda a sua plenitude.

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