A opinião de ...

De um programa sem guião a um guião sem programa

O XIX Governo Constitucional da III República Portuguesa (em funções desde 5/6/2011) parece enguiçado pelas crises internas e externas, pela Troika, pela impreparação dos seus membros e, sobretudo, pelo ilusionismo de Paulo Portas. Paulo Portas não faria tão mal ao país como ilusionista, mago ou contador de histórias. Talvez deixasse alguém governar, coisa que ele parece não querer fazer.
Dois anos e meio depois de este Governo ter tomado posse, já vai sendo tempo de se analisar a sua obra, uma obra difícil, marcada por um programa sem guião, imposto pela Troika, a que Sócrates conseguiu fugir para nele fazer atolar o voluntarista e inocente Pedro Passos Coelho, que oferecia leite e mel aos portugueses antes de reconhecer que não «conhecia o estado em que se encontravam o país e as suas finanças públicas» (em RTP1, Jornal das 20h00, 15 de Julho de 2011). Como pode um país ter um Primeiro-Ministro que desconhece o estado das finanças e da administração públicas?
Iniciada a governação, Paulo Portas impôs a recomendação de Maquiavel, no final de Il Principe (1492): «faz todo o mal que tiveres a fazer de uma só vez e o mais cedo possível». O objectivo era ainda distribuir uns rebuçados a tempo das eleições de 2015. Mas o programa da Troika é muito duro: reduzir a despesa pública anual de 89 mil milhões de euros para 65 mil milhões para a tornar sustentável, e fazer emagrecer o Estado e os seus beneficiários põe em causa todos os princípios de qualquer cartilha eleitoral, para além de deixar qualquer governo sem aliados.
Pelo meio, um sobrevivente de muitas outras lutas políticas, mais ilusionista que governante, demagogo quanto baste para manter o élan reformista sem fazer reforma nenhuma. O Guião da Reforma do Estado é um documento vazio, ideológico, sem nenhuma especificação programática. Faltam-lhe acções concretas e os respectivos meios e tempos de execução. Mais uma vez, Paulo Portas salvou-se a ele mesmo mas entalou o Governo num sem saber que fazer tonitruante.
Ma o guião tem uma ideologia neoliberal clara: desmantelar os poucos elementos do Estado Social mantendo o Estado Assistencialista; privatizar tudo o que seja possível, liberalizando todos os sectores da Administração Pública e aumentando as respectivas taxas de acesso e uso, para proveito dos novos gestores e proprietários, entre os quais, curiosamente, emergem as misericórdias e a Igreja Católica, nas suas múltiplas tarefas assistenciais, como potenciais ganhadores da liberalização, em nome da assistência social aos idosos e do abandono total dos mais jovens, impossibilitados de cumprirem o dever de sustentação do sistema de segurança social por falta de emprego e de trabalho.
Que doce vida se deu a si própria a geração dos fazedores de Abril e seus coevos! Mas não cuidou de pensar no futuro e o que deixa para trás é apenas terra estéril e queimada, um sistema educativo medíocre e governos desorientados na sua ação.

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