A opinião de ...

PARADOXO AGRÁRIO

Durante milénios, a agricultura foi a principal atividade produtiva da humanidade. Para fazer face às necessidades alimentares adicionais, resultantes do crescimento da população foi descobrindo, desmatando e adaptando novos solos para suportar o aumento das culturas. Esta relação, se mais nada fosse feito, conduziria a uma situação em que já não haveria alimento suficiente e a humanidade teria de ser contida por se ter atingido o ponto máximo da sustentabilidade. O Clérigo anglicano Thomas Malthus postulou a impossibilidade iminente de haver sustento para todos sem diminuir, drasticamente, a curva demográfica.
A Revolução Verde e a mecanização, empurraram a agricultura para a exploração intensiva, permitindo a manutenção do ritmo de crescimento humano e, ao mesmo tempo, livrando largas franjas da sociedade da fome iminente. Com um preço conhecido: este uso da terra e o recurso a fertilizantes e pesticidas tem um impacto ambiental conhecido e não desprezável. Mas tem outro que se começa a desenhar, no médio prazo: a produção de alimentos a baixo custo está a empurrar para a miséria, milhões de pequenos agricultores que são incapazes de concorrer com empresas, bem equipadas para a produção e com meios financeiros e logísticos que permitem colocar, em qualquer parte do mundo, os seus produtos, a preços imbatíveis.

A reação das comunidades tradicionais passou pela aposta nas metodologias convencionais, no cultivo extensivo, recusando o uso de pesticidas e sementes tecnologicamente melhoradas e apostando num nicho de mercado de consumidores que estariam dispostos a pagar um pouco mais por estes produtos já que não tinham capacidade de concorrer com os grandes conglomerados, ao nível de preços. O objetivo deste movimento não era só ambiental, promovendo a biodiversidade, a renovação dos solos e o uso de nutrientes naturais. Passava igualmente por poder garantir a milhares de agentes rurais, a subsistência que as multinacionais lhes roubavam. Inicialmente confinados a pequenas bolsas e a grupos quase fechados foram, pouco a pouco, alargando o seu âmbito e a chamada Agricultura Biológica foi-se impondo, começando a ganhar terreno, clientes e associados. Foi-se impondo e hoje é já uma realidade que não é possível ignorar.
Tal como em muitos outros exemplos, sobejamente conhecidos, o sucesso pode ser a primeira causa do insucesso que inexoravelmente lhe sucede. O crescimento da apetência do público por este tipo de alimentos e produtos fez com que a sua exploração atingisse níveis de rentabilidade elevados. Provavelmente, mesmo assim, insuficientes para assegurar o desafogo financeiro de pequenos produtores, por causa da pequena escala das unidades tradicionais, mas altamente apetecíveis se comercializados em larga escala. Foi isso que levou ao aparecimento de cooperativas e outras formas organizativas que aumentam os proveitos, repartindo custos e usando alguns recursos na promoção e distribuição. Mas foi também isso que levou as empresas tradicionais que este movimento queria combater (ou melhor, delas se defender) a entrarem no ramo e usarem o seu poderio económico para, a pouco e pouco, se apoderarem da distribuição e comercialização, controlando indiretamente, a produção. O próximo passo é óbvio.

Não há de passar muito tempo para que aos bio-agricultores contemporâneos fique mais caro continuar a produzir do que comprar, na secção BIOLÓGICA do Hipermercado mais próximo, batatas e tomates totalmente conformes com as restritivas regras entretanto, e bem, adotadas para este tipo de produção.

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