A opinião de ...

Em casa do senhor Joaquim

É noite. São talvez vinte e uma horas.
Depois de lauto jantar e de uma enorme confusão,
Tal como, às vezes, acontece por lá,
O senhor Joaquim
Está sentado no sofá, despreocupado e sozinho,
A olhar a televisão.

Como não vê a telenovela, a mulher, resmungando,
Foi para outra sala vê-la.

A filha, a Manuela,
Que detesta aquele argumento e aquele guião,
Fechou-se no quarto dela
E ligou para ver o Festival da Canção.

Logo o Francisco fez um banzé,
Porque, a toda a força, queria ver o filme
Que passou, há dias, em casa da Zé.

Por isso, como só têm três televisões,
Bateu à porta do quarto da Manuela.
Fez tal chinfrineira que ela, não gostou da brincadeira.
E por causa dos empurrões que dava à porta,
Gritou em voz que corta: - Deixa-me em paz!

Mas o Francisco, com um grande pontapé, zás!
Qual titã enfurecido, a porta arrebentou
E enfrentou a irmã que, cheia de medo, recuou.

Houve discussão entre os dois;
E pouco tempo depois, ninguém naquela casa se entendia:
Nem o senhor Joaquim nem os filhos
Nem a mulher, a senhora Maria.

A Lulu lá de casa, de rabo em riste, meio saroto,
Começou logo a ladrar. E o papagaio maroto,
Ao arrastar uma asa, decidiu assobiar.

Também a gata, que nem uma nem o outro pode ver,
Esperta como é, saltou para a mesa, fez cair uma colher
E foi lambendo no prato o arroz doce
Que, por sinal, estava tão azedo que nem se podia comer.

No andar de baixo, os irritantes vizinhos,
Habituados ao barulho destas discussões, não reagiram
E nem sequer vociferaram aqueles seus palavrões,
Levando até a pensar que não estariam em casa
Ou que tenham sido sequestrados pelos habituais ladrões.

Esta confusão, porém, breve acabou.
Mas, para acabar, o pai teve de autorizar o Francisco
A ir até ao bar, sem considerar bem o risco
Que, de noite, poderia enfrentar,
Depois de ter exigido que lhe metesse na mão
Para cima de cem euros pra gastar.

A mãe, ansiosa por ver o que estava para acontecer
À personagem principal, resmungando, falou alto, falou mal
E em nada ajudou para acabar com este vendaval.

Já a Manuela, perdida a canção mais bela,
Enfurecida, de olhos lacrimosos, invetivou o Francisco,
Acusando-o de tudo isto, e de estar sempre contra ela.

Mas, como disse, pouco durou esta tontice:

A Manuela, serenada, continuou a ver o Festival;
A mãe, arreliada, sem dar mais uma fala
E num xaile aconchegada, lá está a ver a novela
Noutra sala.

Finalmente o pai, sentado no sofá, vai mudando de canal
Para ver o que há, sem se lembrar mais do Francisco
Nem que, de noite, possa sofrer algum risco.

Ali estão, então, no seu serão,
Em forçada, mas tranquilizante desunião,
Incrivelmente meio dementes,
Separados e ausentes,
Por causa da televisão,
Sob os comandos que alguém, ameaçadoramente,
Lhes colocou na mão.

Edição
3975

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