A opinião de ...

Eles fazem cada pergunta aos advogados!

 
Há dias, em conversa com um amigo meu, que escolheu a vida sacerdotal, dizia-me que a confissão era uma grande maçada. As pessoas aproveitavam aquele momento, não para confessar os pecados, (que não tinham), mas para confidenciar as suas angústias diárias, como a falta de dinheiro para pagar a renda de casa, alimentar os filhos, etc…. e de pecados ou faltas cometidas nem pensar, tudo boa gente para quem a confissão não passava de um ritual e a prática de um dever do bom cristão.
Este comentário fez-me lembrar os tempos de exercício da minha profissão. Muitos clientes procuravam-me no escritório para conversar, mas a conversa saía cara pois eu anotava sempre na ficha do cliente mais uma consulta, quando abusavam do meu tempo; era uma forma de não me procurarem com essa finalidade. Porém, um dia, certo cliente, vindo de um distrito confinante com o nosso, veio apresentar-me a seguinte questão: quantos anos apanhava de prisão por matar um seu vizinho que o andava a provocar há muito tempo e já não o suportava mais as suas desfeitas.
A questão era delicada e exigia uma resposta muito séria. Não atendi o cliente naquele dia, com a justificação de que necessitava alguns dias para ponderar as várias consequências daquele acto na sua vida, e na dos seus familiares e amigos, das indemnizações e despesas judiciais a pagar, além dos anos de prisão a que poderia ser condenado. Pareceu-me ter ficado satisfeito com a minha sugestão e no dia e hora que lhe marquei lá estava ele a entrar no escritório. Aliás, quando agendei a nova consulta e se despediu, fiquei convencido de que não me aparecia mais no escritório.
Conversei durante muito tempo com o cliente; expliquei-lhe toda a teoria do crime doloso, (intencional), da premeditação, do motivo fútil e outras circunstâncias agravantes da prática de um crime, no caso um homicídio, da forma mais simples para ele entender. Para o intimidar e o levar a desistir dos seus intentos, fui sempre pela condenação mais severa e pelas consequências mais drásticas dos seus actos, como a indemnização que teria da pagar aos familiares da vítima, as privações por que passaria a sua família durante o tempo em que estivesse preso; expliquei-lhe todos os trâmites processuais de uma possível partilha forçada dos seus bens para, da sua parte na partilha, efectuar todos os pagamentos resultantes da condenação. Quando lhe disse que todo o seu património podia ser destruído, o cliente ficou muito apreensivo e pareceu-me mudar de figura e, a partir daquele momento, tinha na minha frente um outro homem. Percebi que o seu ponto fraco era ficar sem os seus bens. Claro que, a partir daqui, explorei ao máximo a fraqueza do cliente para o desviar dos seus intentos.
Pediu para o receber mais uma vez e, na despedida, informou-me de que iria repensar a sua vida. Nessa altura, fiquei convencido de que aquele homem tinha mudado de ideias.
E, assim aconteceu. Passados uns dias voltou a consultar-me, ou antes, ter uma conversa comigo e informar-me dos seus propósitos: desistira das suas confessadas intenções, ia mudar de casa, esquecer o seu vizinho e virar-lhe a cara para sempre.
Já lá vão uns anos e, ainda hoje penso se aquele cliente alguma vez magicou tirar a vida ao seu vizinho, ou simplesmente, confiante no sigilo profissional, queria desabafar com um advogado, o que não podia fazer com outras pessoas … tal como o cristão que vai ao confessionário, não com a intenção de pedir perdão dos pecados que não tem, mas simplesmente procurar um confidente para alívio das suas angústias e outras apoquentações da sua madrasta vida. 
 
(estas crónicas não respeitam o acordo ortográfico )

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3446

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