A opinião de ...

O meu amigo, António

Escrever sobre amigos, que o merecem, e só merecendo o são, é algo que faço com agrado, quando e se for oportuno.
Para mim, escrever sobre um amigo é reforçar o caminho da amizade, é acreditar que as sementes do afeto, quando sustentadas nos seus valores imateriais, puros, têm uma força extraordinária na interação humana, é dar vida à minha alma, é ajudar desenvolver ambientes que potenciem a solidariedade.
Ora, neste contexto, a reflexão desta semana, sustenta-se no meu amigo, António Caseiro, de Izeda. Completou 86 anos, no mês passado. Com 23 anos, foi para Angola, onde esteve outros tantos. Regressou à terra natal, em 1975, na sequência da revolução de Abril de 1974,
Pessoa suficientemente esclarecida no meio, com boa experiência de vida e uma imagem positiva, para além de outras atividades sociais, António caseiro foi sócio fundador e presidente da Mesa da Assembleia Geral da Cooperativa de Olivicultores e da Assembleia de Freguesia, bem como presidente da Direção da Banda de Música, cerca de dezena e meia de anos.
Vendo nele um homem íntegro, educado, atento e de fácil trato, que sempre cultivou a leitura e o apreço pelos jornais locais, procurava, pelo menos, cumprimentá-lo quando ia a Izeda.

Proprietário de um comércio tradicional, na rua principal de Izeda, era ali que o encontrava. Nunca faltava o cumprimento afetuoso, a saudação amiga.
Embora tendo uma filha, que vive e trabalha na zona de Lisboa, na sequência da morte da esposa, ocorrida há cerca de 12 anos, vivia sozinho. Serenamente.
Parecia estar bem, de acordo com a idade. Só que, nos finais de Outubro passado, a saúde “pregou-lhe” uma partida e, numa das visitas aos meus pais, fui encontrá-lo no Lar. Sentado numa cadeira, logo à entrada.
Uma surpresa para mim, mas dolorosa para ele. Claro que o questionei sobre a institucionalização. Lá falou da imprevisibilidade da vida e da sua mágoa ocorrida.
Agora, todas as semanas, converso com ele. Simpático e solícito, logo que me vê entrar, indica-me imediatamente onde estão os meus pais.
Mas, no âmbito da forçada auto-institucionalização, o que mais me sensibilizou foi, no dia 24 de Dezembro, constatar que iria passar a noite de consoada e o Natal, sozinho, mas com o apoio da instituição. Ia, naturalmente, buscar os meus pais ao Lar.

Apercebendo-me da situação e vendo nele um semblante triste, de quem se sente só, convidei-o a incluir-se no meu convívio natalício, a sentar-se à mesa como se de um familiar se tratasse, partilhando da nossa afetividade e festividade.
Apesar do esforço, não consegui demovê-lo a aceitar o meu convite, para ir até Frieira. Confesso que fiquei triste. Pensativo. Na verdade, a velhice não perdoa as suas inerências, nem esconde, tantas vezes, as suas afetivas insignificâncias e indiferenças, nem se compadece com negligências.

 Pior, ainda, é quando os idosos, pais (nem me refiro a simples progenitores), tendo os filhos por perto, ou mesmo ao lado, nem sequer destes recebem uma simples visita, ou uma palavra amiga, um carinho, sendo certo que, depois uma vida de trabalho e de dedicação à causa familiar e pública, se vêm sozinhos…quando estão velhinhos!... o que é pena!...
Custa-me a aceitar, mas, infelizmente, é triste constatar que o orgulho, a ganância, a ignorância e a falta de amor, são ainda mais destruidores e causam mais danos que alguns perigosos terroristas.

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3510

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