Pensar
Da obra O Erro de Descartes – Emoção, Razão e Cérebro Humano, de A. Damásio, cito: «Quase nunca pensamos no presente e, quando o fazemos é apenas para ver como ilumina os nossos planos para o futuro. Estas palavras perspicazes são de Pascal, que concluiu que o presente praticamente não existe, ocupados que estamos a olhar para o passado para planear o que se segue daqui a um instante ou num futuro remoto».
Andamos sempre a correr a fazer planos, num processo esgotante e incessante, e pouco ou nada raciocinamos para bem decidir.
Pessoalmente, confesso que gostaria de aceitar como verdadeira esta asserção de Pascal, e que tão apelativas e certeiras as pretendeu transformar Damásio. Mas sou incapaz de aceitar, porventura com algum ceticismo, que decidimos com base no raciocínio. A História do Homem está prenhe de bons planos, mas com retumbantes falhanços, mas também está cheia de maus planos que conduziram eventos humanos horrorosos.
Esta constatação serve para, uma vez mais, regressar a dois temas atuais.
Primeiro: A Guerra, melhor, as guerras. Basta compulsar as notícias que a ONU News nos traz diariamente sobre o que se passa. Não apenas na Ucrânia – mais de dois anos de inferno entre povos que se consideravam irmãos – igualmente, em Gaza, no Sudão Norte e no Sudão Sul, também na República Democrática do Congo. Não apenas, infelizmente. Bem prega António Guterres sempre que tem oportunidade. Ainda nesta segunda-feira, dia 26.2.24, em Genebra, discursou na abertura da sessão de alto nível do Conselho de Direitos Humanos, afirmando que o mundo “está ficando menos seguro a cada dia” e apontou a atual incapacidade do Conselho de Segurança de atuar nos principais conflitos em curso. Leram bem, leitores, «incapacidade» crescente do Conselho de Segurança agir. E mais: «O Estado de direito e as regras de guerra estão sendo minados da Ucrânia ao Sudão, de Mianmar à República Democrática do Congo».
Segundo: A capacidade de pensar. Temos perante nós, a hostilidade de alguns atores políticos, e não apenas, uma luta incessante contra o que Damásio considera mais importante: o pensamento livre de amarras. Porque nada é «mais mobilizador do que o pensamento», como afirmou a ensaísta francesa Viviane Forrester (Uma estranha ditadura, citado em A Nova Ignorância e o problema da cultura). É ver a imagem degradante, na pose e nas palavras, que conduzem ao marasmo do pensamento crítico. Somos idiotas? Não. Mas somos manipulados constantemente. Tinha razão Nietzsche há mais de cem anos: os «valores mais elevados se desvalorizam» (ibidem, de Thomas De Koinck, edições 70). É a barbárie. Lutemos a favor da capacidade de pensar.