Igreja

"Desde o primeiro instante, o Papa Francisco irradiava vida e serenidade" lembra D. Nuno Almeida

Publicado por AGR em Seg, 04/21/2025 - 10:36

O bispo de Bragança-Miranda, D. Nuno Almeida, recorda a "vida e serenidade" que o Papa Francisco emanava "desde o primeiro momento".

"Por causa dos estudos, encontrava-me em Roma, no Colégio Português, em 2013. Tive a alegria de estar na Praça de S. Pedro, quando o Papa Francisco, no dia da sua eleição, se inclinou, com humildade, para fazer a coleta da oração da multidão ali reunida. Não contive as lágrimas. Era o culminar de muitas surpresas e outras tantas emoções: um Papa nada “clerical” que saúda a multidão com “buona sera!”, veste com tanta simplicidade, reza em italiano e não em latim, apela à fraternidade, à confiança recíproca, testemunha o seu amor por Maria, recorda o seu antecessor, capaz de gestos espontâneos e adota o nome Francisco!
Desde o primeiro instante, o Papa Francisco irradiava vida e serenidade. Intuíamos que os seus pensamentos, sentimentos, palavras e ações estavam em harmonia e da sua pessoa transparecia simplicidade, autenticidade, numa palavra: congruência. Esta harmonia era fruto, prioritariamente, da ação do Espírito Santo, mas também do esforço humano. Deixava transparecer uma vida unificada interiormente, centrada em Cristo e no serviço aos irmãos. O Papa Francisco, em privado e em público, testemunhava harmonia, ou congruência, entre o pensar, o sentir, o falar e o agir", diz o bispo de Bragança-Miranda.

Num testemunho enviado ao Mensageiro, D. Nuno Almeida sublinha que "o pensamento do Papa Francisco está profundamente marcado pelo seguinte princípio: “A realidade é mais importante do que a ideia” (EG 231-233). Não se cansava de alertar de quanto seja “perigoso viver no reino somente da palavra, da imagem, do sofisma”."

"Quem acompanhou com alguma atenção os gestos e palavras do Papa Francisco apercebeu-se sempre que procurava cultivar, por todos os meios, a proximidade. Para ele não se tratava somente de um conceito, ou de gestos esporádicos, mas de um modo se ser e de exercitar o seu ministério. O Papa Francisco gostava do contacto direto com as pessoas, sobretudo com os mais vulneráveis ou frágeis. Tratou-se de uma prioridade do seu ministério, à maneira de Cristo. Parecia até, que ao aparecer em público, dava mais importância a estes gestos do que aos discursos que devia pronunciar. Com o seu magistério feito de palavras, de gestos e ainda mais de um estilo novo, desencadeou a originária energia evangélica, e desafiou à conversão e à reforma", nota o prelado de Bragança-Miranda.

D. Nuno Almeida sublinha que, "precisamente num tempo, como o nosso, em que a “fraternidade” não é compreendida como óbvia fica-nos, como legado, no pensamento e ação do Papa Francisco, a sua dimensão mística ou contemplativa. A fraternidade mística ou contemplativa consiste no “olhar a grandeza sagrada do próximo” e no “descobrir Deus em cada ser humano”, “no suportar os seus males e de viver juntos unidos ao amor de Deus”, no “abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o Pai bom (EG 92)."

"O Papa Francisco inspirou-se no Evangelho, no modo como Jesus de Nazaré quis habitar no nosso mundo. Ele não hesitou até em transgredir a rígida legalidade religiosa e ritual hebraica para ir ao encontro, em cada circunstância e ambiente, de quem tinha necessidade de cura, alívio, ajuda, consolação e de esperança. Este modo de entender a vida entre os homens é revelado por uma parábola que entrou a fazer parte do ensinamento ético da humanidade de todos os tempos: a parábola do bom samaritano.
Jesus viveu e ensinou, não uma mística de olhos fechados, mas mística de olhos e ouvidos bem abertos, comprometida na perceção intensificada do sofrimento alheio. Esta atenção profunda e permanente é o núcleo da “mística da fraternidade” (EG 87) que por isso exige a proximidade física. Proximidade física, não de qualquer maneira e a qualquer preço, mas ligada à visão contemplativa: amar o outro como Deus o ama, vê-lo como Deus o vê e, ao mesmo tempo, que a dor do outro “se transforme em sofrimento pessoal” (LS 19).
Tornar-se próximo implica olhar a pessoa humana que existe para além dos preconceitos sociais, religiosos, morais. Implica ver para além da função social, ainda além de todas as estruturas sociais fixas e determinadas. Implica ver o próximo onde o olhar percebe apenas uma imagem social. Trata-se de mergulhar na lógica do dom que é, assim, uma lógica invertida, pois o nosso próximo é aquele de quem nos aproximamos. Nós não temos um próximo; tornamo-nos próximos. É mais do que um gesto estético e estático, é responsabilidade ética.
A proximidade exige uma mudança de mentalidade. O próximo deve ser realmente cada próximo que encontro, não importa a cultura, a sua religião, o lugar de proveniência, ou o seu status social.
O Papa Francisco não se cansou de alertar para a necessidade de remover preconceitos seculares e inconscientes e para intolerância que trazemos connosco desde sempre, sem nos darmos conta. Convidou-nos a tomar consciência e a vencer a intolerância que habita as nossas mentes e nos nossos corações e deixamos transparecer nas nossas palavras", diz ainda.

"A voz profética do Papa Francisco chamou a atenção de que, por vezes, o mundo parece habitado por “mónadas” fechadas, que giram à volta de interesses mesquinhos e imediatos, quando o Evangelho nos aponta outra via, a de decididamente sermos “samaritanamente nómadas”.

O Papa Francisco ensinou-nos que a denúncia do mal e do escândalo da violência, exige também o anúncio e experiência efetiva do mistério da graça redentora e reconciliadora de Deus em Cristo: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rom 5, 20). Este anúncio positivo pode revelar a originalidade do cristianismo na cultura atual: cultivadores, testemunhas da reconciliação, da sua força e do seu dinamismo pessoal, social e histórico. A reconciliação cristã inverte a lógica da violência pela conversão do coração e escolhe como caminho a metodologia do diálogo, constituído eixo da vida cristã. A reconciliação dom e mistério é chamada a tornar-se cultura e vida quotidiana.

O Papa Francisco vive a sua Páscoa, a sua passagem para a Casa do Pai. É hora de agradecermos a Deus o seu fecundo ministério e de fazemos germinar as sementes de esperança que nos legou", termina D. Nuno Almeida.

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